UM GOL DE SUPER-PLACA
É
evidente que os tempos estão mudados.
Antigamente o futebol era um esporte renegado.
As famílias impediam de tôda a
forma que seus filhos praticassem um divertimento
tão "grosseiro". E por isso
tudo lhe era muito mais difícil e, conseqüentemente,
os seus feitos, mesmo os mais gloriosos, ficavam
nos arquivos dos clubes e na memória
dos seus poucos adeptos. Conta-se, até,
com característica de veracidade, que
o jogador Amarante, do Flamengo, aí por
volta de 1913 ou 1914, fôra obrigado a
trocar de nome porque o seu pai andava a buscá-lo
nos campos de futebol, bengala em punho, para
exemplá-lo, e ensinar-lhe a obedecer
as suas ordens. Por causa disso passou a chamar-se
Zalacain... E nunca mais foi importunado...
Nos dias de hoje isso seria impossível.
A partir, porém, de 1914, com a disputa
da Copa Roca, entre as equipes representativas
do Brasil e da Argentina, as cousas começaram
a melhorar. A imprensa que era tôda das
regatas e das corridas de cavalo, começou
a dar um pequenino espaço em suas folhas
ao detestado futebol. Mas muito pouco... Noticiário
apenas de resultados de jogos, e quasi nada
mais.
Foi num cenário dêsses, embora
já não tão hostil, que
sucedeu o fato que vamos contar.
Num jôgo São Cristovão x
Bangu, realizado na Rua Figueira de Meio, a
26 de Maio de 1918, Antenor, famoso ponta esquerda,
do Bangu, fez um gol, de cabeça, numa
bola centrada por êle mesmo da linha de
fundo do campo.
Isso contado assim com essa singeleza não
impressiona o suficiente para despertar o entusiasmo
exigido pelo seu ineditismo. Na realidade, porém,
a história do nosso futebol não
registra em seus anais feito semelhante. O gol
de Antenor até hoje não foi repetido.
Está puro e santo...
Pelé, o super-crack dos tempos atuais,
tem placa comemorativa, no Maracanã,
porque certa vez recebeu uma bola no círculo
central do gramado e foi com ela até
o gol adversário fazendo-a penetrar entre
os três páus, sem apelação
possível, num jôgo do Santos. Feitos
iguais ao de Pelé, entretanto, muita
gente também já fez. Benedito
Dantas, no Bangu; João Cantuária,
no São Cristovão; Oswaldinho,
no América; Nilo Murtinho, no Botafogo;
Russinho, no Vasco; Ademir, no Vasco; Isaias,
no Madureira... E lá em São Paulo,
no teatro dos maiores feitos do notável
jogador emplacado no Maracanã, Friendenreich,
grande campeão do passado, fez gols assim
muitas vezes.
Gol, porém, igual ao de Antenor, só
êle fez... Gol que a figura de um triângulo
isósceles explicaria como poude êle
percorrer, mais rápido que a bola, a
terceira linha, justamente a que fechava o triângulo,
recebendo a bola que êle próprio
centrára.
O assombro, contudo, está no cálculo
feito. Na rapidez e segurança do raciocínio,
isto é, de sentir, em fração
infinitesimal de segundo, que poderia chegar
antes da bola, como de fato chegou, para conquistar
um gol imortal.
Êsse gol nos tempos atuais seria cantado
em prosa e verso; seria esquadrinhado de baixo
para cima, de cima para baixo, desenhado, fotografado,
caricaturado, o diabo...
No entanto, por ter sido feito por Antenor que
era jogador do Bangu, num jôgo com o São
Cristovão, ambos sem o favor promocional
da imprensa, ficou esquecido. Ou melhor, nunca
foi lembrado como causa digna de nele se falar.
Mas os que tiveram a ventura de testemunhá-lo
sabem que êsse gol que foi feito para
a história está arquivado em nossos
corações, e que se o fizesse nos
dias atuais o mundo inteiro dele teria notícia...
Zé de Matos, Chiquinho Pereira, Luiz
Antonio, Bolão e Frederico ainda estão
vivos e podem testemunhar-nos.
Leitão, Patrick, Waldemiro, Cassaú,
Feliciano e Antenor, já estão
do outro lado da vida. Estão dizendo,
de lá, com tôda a certeza: inverossímel
mas verdadeiro.
Texto:
Paschoal José Granado
Fonte: Revista Bangu em Revista, dezembro/1966. |