APOSTANDO
NA ZEBRA
Sua
torcida reunida jamais pareceu a do Fla-Flu,
como exagera o hino do clube, mas o Bangu
já foi grande e luta para voltar
Um
bom trabalho com os juvenis e o dinheiro fácil
do jogo do bicho deram o título carioca
de 1966 ao Bangu. Então a inflação
matou a galinha dos ovos de ouro e o Bangu
foi minguando, minguando, quase sumiu. Quase.
Com trabalho duro, sem dever um tostão
a ninguém e ainda comprando o patrimônio
que era da Fábrica Bangu, o clube está
crescendo. E crescendo com os pés no
chão. Formando juvenis, investindo
em técnicos de gabarito – técnicos
mesmo -, para começar uma lenta, gradual
e segura volta aos bons tempos. Por enquanto,
porém, o que se promete é que
o ex-grande Bangu, mesmo afastado dos Andrade
e do dinheiro do jogo do bicho, vai ser a
maior zebra do próximo Campeonato Carioca.
Só para começar.
Sem
torcida, mas numa região carente de
tudo, o Bangu dispõe de todas as condições
para crescer – se não fizer loucuras
Há
pouco mais de 10 anos o futebol carioca era
diferente. Não havia troca-troca, os
clubes ainda não estavam endividados
até a raiz dos cabelos e os chamados
grandes times eram seis. O presidente da Federação
Carioca de Futebol já era Otávio
Pinto Guimarães, a única coisa
que não mudou desde 1966.
Havia mais clássicos, as rendas eram
maiores, todos ganhavam com isso. Todos ganhavam
com o Bangu Atlético Clube, primeiro
campeão de profissionais, em 1933,
o ex-grande que hoje mal tem direito a jogar
no Maracanã.
Daqui a 10 anos o futebol carioca será
diferente. Talvez o Bangu tenha voltado a
ser grande, e não apenas por ter um
grande time como o de 66, fruto do dinheiro
fácil do jogo do bicho. Grande de novo
porque, cortando os laços com a Fábrica
de Tecidos Bangu, resolveu formar uma base
sólida e adquirir, mesmo com o sacrifício
do futebol, o patrimônio que nunca teve.
Em 66 todo mundo sabia de cor e salteado a
escalação do time do Bangu.
Uma lembrança ainda guardada nas paredes
do bar sob as sociais do Estádio Proletário,
onde pôsteres dos campeões de
66 e de uma equipe juvenil com Ademir da Guia
perenizam os últimos momentos de glória
em Moça Bonita.
Naquela época havia Paulo Borges. E,
depois de chegar perto três vezes, o
Bangu conseguiu enfiar três gols no
Flamengo e ser campeão. Sem volta olímpica,
que o falecido Almir não deixou dar,
mas campeão com direito a desfile em
carro aberto do Corpo de Bombeiros e festança
no longínquo subúrbio carioca.
Todo mundo queria jogar no Bangu, um time
que dava bichos gordos e com uma diretoria
acima de qualquer suspeita. Era um time respeitado
dentro e fora do campo, nos bastidores da
Federação e das arbitragens.
Diariamente, repórteres e fotógrafos
de todos os jornais e rádios viajavam
os 100 quilômetros de ida e volta para
mostrar ao resto da cidade o que estava acontecendo
em Moça Bonita.
Sumiço geral
Os carros do ano sumiram, substituídos
por um ou outro Fusquinha velho e uma maioria
de bicicletas; sumiram até os lendários
carneiros que mantinham aparado o excelente
gramado do Estádio Proletário;
a fiação dos refletores sumiu;
sumiu a imprensa. Houve até quem sugerisse
a extinção do futebol profissional
no Bangu.
Não se precisou chegar a tanto. O Bangu
aceitou o fato de que era um clube pequeno,
sem patrimônio e sem torcida, e resolveu
viver como um pequeno – enquanto crescia.
Paga pouco a seus jogadores, é verdade,
mas paga rigorosamente em dia. Tem pouco patrimônio,
é verdade, mas não deve um tostão
a ninguém. E, principalmente, é
comprador de tudo o que foi locatário
durante anos. O velho ginásio, sua
sede social e única propriedade, foi
reformado e ganhou a companhia de um terreno
recém-adquirido, com frente para a
rua Cônego Vasconcelos. O Estádio
Proletário está sendo comprado
da Fábrica Bangu. Uma nova sede náutica
já foi inaugurada. A Vila Hípica,
onde treinava o timaço de 66, será
a futura sede campestre. Para que tudo isso
se tornasse realidade, o Bangu sacrificou
o futebol. Salvo raríssimas exceções,
ninguém ganha mais de 5 mil cruzeiros
por mês. Salvo raras exceções,
todos vêm das divisões inferiores.
Um plano realista que começou com o
ex-presidente Maurício Buscácio
e vai continuar com o recém-eleito
Sérgio Saraiva.
Com o apoio fundamental de Fausto de Almeida,
primeiro presidente eleito pelos associados,
em 57. Até então, os próprios
homens da Fábrica Bangu dirigiam o
clube; não passavam de meros empregados.
Fausto comprou o primeiro patrimônio
do Bangu – o terreno onde se localiza
o ginásio – e iniciou a libertação.
Por isso enaltece a atual administração:
- É a volta do Bangu às suas
origens. Sempre fomos e temos de ser sempre
um celeiro de craques, jogadores formados
física, técnica e moralmente
aqui mesmo em Bangu.
O êxito de 66 foi fruto justamente dessa
filosofia. Ubirajara, Calazans, o campeão
do mundo Zózimo, Fidélis, Mário
Tito, Luís Alberto foram todos juvenis
no Bangu.
Dinheiro a rodo
Euzébio e Castor de Andrade colocaram
dinheiro em cima. Tiveram êxito, tanto
que conquistaram o título carioca e
o Bangu, mesmo sem torcida, tinha platéia
suficiente para encher o Maracanã.
A exploração dos ovos de ouro
foi intensa, mas a inflação
do dinheiro fácil acabou matando a
galinha. O Bangu não tinha estrutura
para agüentar os Andrade e seus projetos
mirabolantes.
Foi-se Paulo Borges, foram-se Aladim e Dé,
mais tarde partiram Jorge Mendonça
e Sidclei. Obra de Maurício Buscácio,
que usou o dinheiro para evitar o caos financeiro
e aplicar nos juvenis.
- O problema é ter coragem e paciência
para realizar um trabalho desse tipo. O Bangu
tem sofrido muito, sim, mas não demorará
a mostrar uma nova geração de
bons jogadores. Um, o goleiro Luís
Alberto, em condições de figurar
em qualquer clube brasileiro, é o maior
exemplo. Cacau, Hamilton, Fernandinho e Gilberto
são nomes de futuros craques.
Fausto de Almeida acrescenta que, agora, o
Bangu não corre o risco de morrer por
ter o olho maior do que a barriga.
- Aí está o exemplo do Botafogo,
que nunca mais terá uma sede. Depois
de alienar o patrimônio, compra jogadores
por 2 milhões de cruzeiros cada um.
O Bangu não entrou nessa e por isso
se salvou. Trabalhando, consegue-se até
torcida. Houve época em que o Bangu,
simplesmente por jogar de manhã nos
colégios com seu time de juvenis, criou
uma legião de torcedores. É
só querer trabalhar. Mas só
o que todos sabem é inflacionar cada
vez mais o futebol e depois ficar de pires
na mão na porta da Loteria.
No entanto – e isso explica porque é
preciso tanta paciência e perseverança
para trabalhar sobre bases sólidas
-, quem não sente saudades daqueles
bons tempos? Neco, naquela época jogador
em fim de carreira e desde então auxiliar
técnico do Bangu, sente:
- Nem gosto de recordar o tempo do Dr. Castor,
porque me dá um nó no coração.
Seu Buscácio e seu Saraiva são
gente fina, mas naquele tempo o dinheiro rolava
em Moça Bonita.
Correndo muito
Não rola mais, mesmo que o técnico
seja de novo o velho Alfredo González,
que conduziu o time ao título de 66.
Hoje ele não trabalha mais com craques
consagrados; tem é de aprimorar a prata
da casa. E os jogadores de fora que indicou
como reforços têm, em comum,
o passe livre e as pretensões salariais
modestas. Gente como os desconhecidos Saúva,
Ari, Cláudio e Lumumba, ou como os
mais manjados Silveira, ex-Fluminense e Sport,
e Jair Pereira, ex-Vasco.
Tem uma outra vantagem: todos, até
aqueles que estão ainda em experiência,
entregam-se com afinco à preparação
física com Paulo Blanco, um jovem muito
estudioso que veio do Laboratório de
Fisiologia do Exercício, da UFRJ, o
mais avançado e categorizado centro
de pesquisas do ramo no Brasil.
- Pode parecer engraçado – diz
o preparador físico -, mas o pessoal
aqui está preferindo jogar com calor
de 40 graus ou debaixo de chuva pesada. Eles
agüentam qualquer rojão, e os
outros param no meio do segundo tempo. Desde
a metade do ano passado todos estão
fazendo um trabalho que começa a dar
frutos: eles correm tanto que são praticamente
imarcáveis. Se depender de pernas,
tenho certeza de que o Bangu vai fazer bonito
no Campeonato Carioca.
O que pode representar a grande chance para
os jogadores do Bangu, que só aceitam
a pobreza do clube por falta de melhor alternativa.
Profissão curta, eles não podem
se dar ao luxo de esperar o clube crescer
lenta e seguramente.
O zagueiro Serjão, 26 anos, um dos
poucos jogadores tarimbados do time do Bangu,
criou-se em Moça Bonita e não
teve a sorte de seu companheiro Sidclei, transferido
para o Náutico. Vai daí que
anda de bicicleta e procura complementar o
salário empreitando pequenas obras
como pedreiro.
- Fico triste quando tenho de falar na transformação
que o Bangu sofreu. Ainda cheguei a pegar
o finzinho da fase boa, mas agora o jeito
é a gente se virar por fora. Se os
Andrade não tivessem deixado o clube,
em vez de bicicleta eu estaria aí curtindo
até um carrão pras morenas ficarem
com água na boca.
Serjão toca em outro ponto que acha
importante:
- Esse negócio de trabalho de base
é muito bonito mas não dá
título nem fama a ninguém. Já
cansei de rezar para os Andrade voltarem,
pois eles, pra começo de conversa,
vão lá na Federação
e mexem no formigueiro. Por isso o Bangu foi
campeão em 66, pois só time
não basta. Por melhor que seja.
Então, todo jogador do Bangu quer mais
é se mandar de lá. Como o goleiro
Luís Alberto, sempre elogiado e cobiçado.
Segundanista de Educação Física,
24 anos, ele já está ficando
cansado de ficar escondido lá em Moça
Bonita e de ver dar em nada o propalado interesse
dos grandes clubes.
Luta para subir
- Dói, sinceramente, dói a gente
ver até companheiros inferiores tecnicamente
em outros times. A gente trabalha, faz o máximo,
e na hora H a chance foge. Dá pra chorar
de raiva. Não é fácil
jogar num time como o nosso. A gente aparece
tão pouco para o público, a
própria imprensa, que é obrigado
a não falhar quando surge a oportunidade.
Ninguém me vê quase jogar; aí
surge uma preliminar no Maracanã e
eu falho. Ninguém vai querer saber
se aquela foi uma falha em mil; vão
dizer é que eu sou frangueiro, inexperiente.
É duro. Tem muito jogador de clube
grande que devia sentir a barra no pequeno,
para dar mais valor ao que conseguiram com
a profissão.
Há também desses casos no Bangu.
Didinho e Sérgio Cosme, por exemplo,
vieram de grandes clubes, um do Botafogo,
outro do Fluminense. Didinho já está
arrependido de, um dia, ter achado que era
melhor ser titular em qualquer clube do que
reserva no Botafogo. Esteve no América
Mineiro, no CSA de Maceió, no Americano
de Campos, e até no futebol africano.
Mas não perde a esperança:
- Vamos dar trabalho este ano. Temos sofrido
e trabalhado muito, do presidente ao roupeiro,
e isso nos motivou, nos uniu, nos deu força.
Joguei em muitos lugares e posso garantir
que poucos clubes conseguiram reunir um grupo
tão homogêneo como o nosso.
Menos conformado, Sérgio Cosme chora
até hoje sua saída do Fluminense,
depois de brigar com um dirigente.
- Futebol, modéstia à parte,
eu mostrava. Mas queriam porque queriam me
comparar ao Galhardo, na época um ídolo
da torcida. Esquentei a cabeça e acabei
saindo. É a vida. Hoje estou aí,
dando um duro danado para subir de novo.
Tal como o Bangu, o ex-grande que sonha com
os pés no chão.
Fonte: Revista Placar, nº 358, 4 de março
de 1977.
Repórteres: Wilson Carvalho e Luiz
Augusto Chabassus.