UM
BICHO MUITO GORDO
Ilustração:
Ique Woitschach (Jornal do Brasil) |
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Solteirão
avarento deixa uma fortuna em ações
e imóveis para um dos times mais pobres
do Rio
O
Bangu Atlético Clube, um dos times
mais pobres do futebol carioca, sem estádio,
com torcida pequena, apenas dois títulos
estaduais (1933 e 66) e um plantel sustentado
pelo banqueiro de bicho Castor de Andrade,
chegou pelas mãos da sorte às
manchetes esportivas dos jornais do Rio de
Janeiro na semana passada, quando foi anunciado
que o clube recebera uma fortuna deixada como
herança por um rico torcedor solteirão.
Foto:
Revista Placar |
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O
solitário professor Luiz torcia
pelo Bangu |
Na
quinta-feira, dia 24, o Jornal do Brasil informou
que o Bangu herdara "mais de 500 bilhões
de cruzeiros" deixados em testamento
pelo matemático Luiz Oswaldo Teixeira
da Silva, professor catedrático da
Universidade Federal Fluminense (UFF) e do
Instituto Militar de Engenharia (IME), que
morreu de septicemia (infecção
sanguínea), aos 65 anos, a 21 de dezembro
último. No dia seguinte, enquanto o
JB insistia em que a parte do Bangu chegava
mesmo a meio trilhão de cruzeiros,
O Globo assegurava que a herança do
clube não passava de 1,5 bilhão.
A dúvida será tirada dentro
de alguns meses, depois que estiver destrinchado
o testamento do solitário mestre, que
dividiu seus bens entre o Bangu, a Casa São
Luiz para a Velhice e mais sete pessoas -
a primeira delas Jorge Paz Arevello, 29 anos,
seu secretário e amigo íntimo.
"Eu sou como São Tomé:
só vendo para acreditar", dizia
simplesmente Castor de Andrade, presidente
do conselho deliberativo do Bangu, habituado
a lidar com grandes somas de dinheiro e ciente
de que poderia comprar os melhores jogadores
do mundo caso se confirmasse a versão
semitrilionária do advogado do clube,
Humberto Gaze, que chegou a sugerir um enredo
romântico para a história: o
excêntrico solteirão, que morava
em Botafogo e nem era sócio do Bangu,
beneficiara o clube em memória dos
momentos felizes que passara nas arquibancadas
do pequeno estádio de Moça Bonita
- propriedade da Fábrica de Tecidos
Bangu e atualmente sob penhora no Banco do
Brasil - em sua juventude, quando estudava
na Escola Militar do Realengo, ali perto,
e namorava uma morena bangüense.
A
história não é tão
romântica assim, mas pode dar samba.
Um samba meio esquisito, é verdade.
No Bangu, onde o presidente do clube, Rui
Esteves, chegou a falar em erguer um busto
ao benfeitor, o professor Luiz Oswaldo Teixeira
da Silva não era muito conhecido. Torcedor
apaixonado, assistia às partidas disputadas
pelo Bangu no Rio e às vezes chegava
a passar mal durante os jogos, mas seu esporte
favorito era o bridge, considerado "o
xadrez das cartas". Três vezes
por semana, o discreto professor comparecia
ao Bridge Clube do Rio de Janeiro, em Copacabana,
um clube fechado, com apenas 250 sócios,
freqüentado por algumas das figuras mais
ilustres da cidade, como o empresário
de comunicações Roberto Marinho,
dono da Rede Globo.
Foto:
Sérgio Sbraga (Revista Placar) |
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Com
a herança, o Bangu pode comprar
o campo que está penhorado |
Respeitado
como jogador brilhante, o solitário
matemático é lembrado no Bridge
Clube do Rio como uma pessoa introvertida,
que falava pouco e gastava menos ainda. "Ele
era uma pessoa extremamente avarenta",
lembra Afrânio Moreira de São
Sebastião, 81 anos, comerciante aposentado,
que o conhecia há mais de 40 anos.
"Ele nunca fez uma refeição
no clube, só comprava uma água
mineral", cita como exemplo. Outra parceira
de brigde acrescenta: "Ele quase só
andava de ônibus para não gastar
a gasolina do seu Chevette e nunca passava
a roleta antes de chegar perto de casa, temendo
que o ônibus enguiçasse e já
tivesse pagado a passagem". Uma das pessoas
mais próximas do ricaço no ambiente
das cartas era Maria Sá Earp, ex-soprano
do Teatro Municipal do Rio e diretora patrimonial
do Bridge Clube. Ela confirma que entre as
afinidades de ambos destacava-se o gosto pela
monarquia como forma de governo, mas estranhou
que, entre os bens citados pelo advogado do
Bangu, apareçam terras em Portugal
e na Espanha. "O que ele gostava mesmo
era de comprar e vender ações",
afirma sua amiga, que não está
entre os herdeiros da fortuna.
O professor viveu durante a vida inteira no
sobrado da Rua Alfredo Gomes, 8, em Botafogo.
Era filho de um comerciante muito conhecido
no bairro, João Luiz Teixeira da Silva,
que lhe deixou uma boa herança. Ficou
também com a herança da mãe
e de uma tia solteira. Metódico, acordava
invariavelmente às 6 horas da manhã
e tomava apenas um copo de leite antes de
sair para o trabalho, dividido entre o IME,
na Urca, e a UFF, em Niterói - nas
duas instituições, ele era muito
respeitado como matemático.
Foto:
Ricardo Beliel (Placar) |
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Castor,
esperando 10 bilhões |
Em
sua casa, com vitrais e móveis antigos,
não havia ostentação
de riqueza. Durante o dia, o casarão
ficava entregue a 20 gatos e aos cinco parentes
de Maria da Silva, 78 anos, a "mãe
preta" que cuidou do professor durante
40 anos e também ficou fora da herança.
Ele achava que eu ia morrer antes dele",
justifica a responsável pela casa,
onde o único sinal do Bangu eram duas
flâmulas com a foto do time campeão
carioca de 1966. Entre os beneficiários
do testamento do professor figuram duas senhoras
de nome Nadir, uma delas sua vizinha em Botafogo,
que ficará com metade do casarão
da Rua Alfredo Gomes, além de móveis
e jóias. Os livros de matemática,
que constituíam a maior parte da biblioteca
de 2 000 volumes, foram doados a dois professores
do IME, ex-alunos do torcedor do Bangu.
Depois de afirmar que o clube de Moça
Bonita teria direito a 1,5 bilhão de
cruzeiros da herança estimada em 10
bilhões, o advogado Luís Fernando
Amida Correa, testamenteiro do delicado avarento,
preferiu não falar de números.
"Seria leviano de minha parte",
disse ele, garantindo, porém, que não
existe a quantidade de imóveis mencionada
pelo advogado do Bangu. "Posso garantir
que são apenas oito imóveis
pequenos, a maioria residenciais, para dividir
entre o Bangu e o asilo de velhos", acrescentou.
Quanto às ações, é
difícil calcular o valor deixado pelo
professor. Numa avaliação superficial
feita com base na lista publicada pelo jornal
O Globo, o presidente da Associação
Brasileira de Analistas do Mercado de Capitais,
Roberto Terziani, chegou a um total de 1,659
bilhão de cruzeiros - quantia obtida
apenas com as ações negociadas
na Bolsa do Rio de janeiro e atribuídas,
meio a meio, para o asilo e o Bangu. Esse
dinheiro já daria para comprar o campo
de futebol da Fábrica de Tecidos Bangu,
mas já caíram por terra os sonhos
do treinador Moisés de montar um time
só de craques importados do futebol
italiano. Castor de Andrade, que procurou
ficar à parte da história, sabe
que a herança não chega ao meio
trilhão pretendido por seu advogado,
mas também não se contenta com
a hipótese do testamenteiro. "Acho
que no máximo receberemos 10 bilhões",
anima-se ele, sem ligar para o fato de que
na Loteria Federal da quarta-feira passada
tenha dado 51 195, veado na cabeça.
Fonte: Revista Placar,
01/02/1985.
Revista
gentilmente cedida por Leonardo Cesar (leoicet@terra.com.br).