De Antenorzinho para Antenor...
Rio de Janeiro, Bangu, outubro de 1981
Fonte: Revista Bangu e suas glórias, Ano I - novembro/1981.

Meu pai,
Já se vão mais de 22 anos que estamos longe um do outro, meu velho amigo.
As tais coisas que a vida e a morte determinam e não nos resta outra alternativa se não a de cumprir suas ordens.
Sei que esta carta não vai ter nunca resposta. Também, para quê, meu pai?
Todos sabem que o senhor foi um homem exemplar, um amigo sincero, um homem de paz, um conciliador ( ... e como está fazendo falta atualmente gente assim como o senhor, meu velho), um pai de família exemplar. Não é isto que eu quero contar nesta carta mas me interessava dar as novidades de hoje, falar do nosso Bangu. Claro que a coisa não está como no seu tempo. Mesmo assim estamos fazendo força. Muita gente me pergunta quem foi o senhor. Gente curiosa que quer saber de sua passagem pelo Esperança, no "Marco 6", no mesmo time de tantos craques como Godoy, Nonô, Manoel do Campo. Tenho contado sua história, desde aquele dia 3 de maio de 1914. Enquanto o mundo das Europas se degladiava numa guerra, o senhor estreava no nosso Bangu, no primeiro quadro, pela segunda divisão da liga de futebol contra o Andaraí. Tenho até a escalação daquele time e lembro que o senhor falava de Fred Jacques, Patrick Donohoe, Alberto Vidal, Augusto Alves (que fez 2 dos 5 gols com que vencemos de zero ao Andaraí).
Dá para se lembrar de 16 de agosto de 1914, papai?
Seu primeiro gol, no campo do Guanabara e ganhamos de 6 x 0 do Mangueira.
Hoje estamos dando tudo para conseguir um lugar ao sol para o nosso Bangu. Hoje já se conhece, de cor e salteado, em qualquer lugar o time do Bangu, igualzinho ao pessoal de 1916 que sabia, sem pestanejar o time do Bangu: Americo Pastor, Emilio e Cávert; Luiz Antonio, Sterling e Godoy; Leão, French, Patrick, Benedito e Antenor.
Agora o Bangu luta para continuar sendo um dos clubes do Rio na Taça de Ouro, um super campeonato de futebol com times de todo o Brasil. Temos um bom ponta esquerda mas - sem ser bajulação do filho - todo mundo diz que ninguém foi como o senhor.
De qualquer forma sempre que me perguntam, eu conto as histórias de seus jogos, de seus gols, de sua personalidade. Muita gente rí - e alguns até duvidam - que o senhor era mesmo quem lavava a sua roupa, passava o seu "taylor" 120, branquinho, para os bailes e que d. Maria da Glória, minha mãe, fazia questão que o senhor fosse aos bailes. Tem gente que não acredita que o senhor tinha esse cartaz com a minha mãe. Mas tinha.
Eu estou por aqui fazendo muita força, vendo este futebol dos tempos atuais com muita complicação, muita política e muito "gênio" a ensinar aquilo que ninguém aprende na escola: jogar bola e sambar.
Recordo-me de uma frase sua que o Vivi, seu velho amigo, me dizia que o senhor fazia questão de repetir como máxima de quem é ponteiro: "ponta não fecha para o meio sem a bola". Ou quando garantia que "bola de córner se joga em cima da marca do pênalty. Jogar junto da trave tem lá um homem que sai e pode segurar com as mãos".
Outro dia houve um problema com greve de árbitros e eu me lembrei que o senhor foi bandeirinha de um Brasil x Argentina onde perdemos de 5 x 1 (lembra-se do ataque dos gringos? Peucelle, Sastre, Massantonio, Moreno e Garcia?) Naquele tempo o bandeirinha só podia marcar lateral e córner e os argentinos reclamavam outras faltas mas o senhor nada podia fazer.
Pois é, pai, esta cartinha está sendo lida por mais de 10.000 pessoas.
Sei que o senhor vai gostar de saber que este seu filho, que tanto aprendeu a amar o Bangu, desde criança, é o presidente do seu Bangu, nos dias de hoje.
Deixei esta notícia por último.
Não para me jactar de tal posição. Presidir um grande clube como o Bangu não é um orgulho apenas: é um sacerdócio, meu pai. Há os problemas mas o amor cresce. Há as demandas mas a paixão aumenta. Há momentos em que eu fico pensando com os meus botões se é melhor ser presidente do Bangu ou seu torcedor despreocupado cuja obrigação única e exclusiva é amar o clube.

Claro que doutor Silveirinha está comigo.
E Castor, filho do "seu" Zizinho.
Também é a grande mola deste Bangu de hoje. Dificilmente alguém poderia enfrentar a presidência do Bangu sem contar com a ajuda de Castor.
Estamos lutando, papai. E como?
De qualquer forma posso garantir ao senhor que o seu esforço, em cada jogo, em cada combate, não tem sido relegado a plano inferior pelos homens do Bangu de hoje, nem atletas e nem dirigentes. Todos estão lutando. O objetivo é o mesmo do seu tempo: o Bangu.
Em casa todos vão bem.
No Bangu o trabalho é grande, mas tudo está caminhando.
Eu vou ficar por aqui.
Na tal marcha do tempo, os anos estão correndo, a vida se esvaziando no passar dos dias e, qualquer hora dessas vou ver se é certo que o bom Deus nos permite rever os que se foram.
Aí voltaremos a falar no Bangu.
Sua bênção, onde quer que esteja.
Saudades do seu filho