Bangu Atlético Clube: sua história e suas glórias

A verdadeira elite!

Texto: Luiz Eduardo Lages, jornalista, cronista e historiador de futebol, torcedor do Bangu. Escrito em 12/11/1998.

O Bangu, clube que outrora era uma grande fábrica de craques (surgido de uma excelente fábrica de tecidos), sempre foi uma agremiação voltada para a verdadeira função socializante do futebol. De fato, o FUTEBOL ASSOCIADO (verdadeiro nome do esporte-rei), é uma prova do sentido de conjunto e do prevalecimento da união sobre o egoísmo e o individualismo. É, ao contrário do tênis, a antítese da filosofia do elitismo, onde o falso poder da auto-suficiência é exercido, manipulando e subjugando as massas.

Com este conceito democrata e neste sentido, tanto o Bangu (e o time de Moça Bonita historicamente é um dos grandes do futebol brasileiro), como o Vasco da Gama, entre os clubes considerados, por tradição esportiva, competitivos da cidade do Rio de Janeiro, sempre colaboraram para a formação de times, onde os membros de todos os segmentos da sociedade estivessem envolvidos e fossem bem-vindos, possibilitando o surgimento de uma verdadeira elite no futebol da cidade, que depois acabou ajudando de uma maneira definitiva a consagrar o Brasil como o melhor do mundo no esporte mais globalizado do planeta.

Quando o futebol engatinhava na nossa cidade, o panorama era esquálido. Pouca gente tinha acesso ao jogo, às regras, e tudo aquilo que poderia custar algum dinheiro, como uniformes, bolas e tudo que se referia ao esporte que nascia, numa cidade ainda bastante provinciana. O quadro era desanimador e a mentalidade, pior ainda. Só os ricos podiam jogar e presenciar aqueles jogos. Quando formaram a primeira liga no Rio de Janeiro (e o Bangu foi um dos fundadores), o povo trabalhador não podia participar dos grandes clubes à época, que eram racistas e elitistas. O mesmo acontecia em São Paulo, assim como em outros estados da nação. Sem dúvida, a história marcou negativamente e por um bom tempo a existência destes clubes.

Apesar deste panorama, nada promissor, os clubes que tinham origem nas classes trabalhadoras, como o Bangu, estavam lá e participavam formando grandes craques que haveriam de brilhar pelos gramados mundo afora. O clube surgido entre os operários da Fábrica Bangu, uma das melhores fábricas de tecidos da América do Sul nesta primeira metade do século, também fabricava jogadores aos montes e não foi à toa que craques que fizeram a história de nosso futebol, como Domingos da Guia, Fausto, Zózimo, Ademir da Guia, Paulo Borges, entre tantos outros, foram formados na escolinha do Bangu, famosa por sempre ter sido um verdadeiro celeiro de campeões. Outros mestres da bola, mesmo que provenientes de outros clubes, como o fantástico Zizinho, Parada, para citar apenas dois, deram sua colaboração vestindo a tradicional camisa alvi-rubra. Zizinho foi inclusive considerado o melhor jogador do mundo em 1950, quando foi o craque daquela Copa, já envergando as cores banguenses. É para muitos o maior craque brasileiro, depois de Pelé e seguramente o era, antes da chegada do atleta do século, no mundo do futebol.

Assim como o Bangu, o Vasco da Gama quebrava tabus. Foi expulso da liga em 1924 pelos clubes "elitistas" comandados pelo Fluminense, simplesmente por ser democrata e aceitar jogadores de todas as etnias, classes sociais e com todas as correntes ideológicas. Construiu o maior estádio da América do Sul à época, e teve de ser aceito por sua grandeza, inerente e proveniente das camadas populares. Este mesmo estádio, conhecido até hoje como o "colosso de São Januário", foi durante muito tempo o maior do Brasil e é até hoje o maior estádio privado do Estado do Rio de Janeiro.

Não podia deixar de registrar aqui que os clubes chamados "pequenos", que sempre lutaram contra todo o tipo de armação dos homens que dirigem (sic!) o nosso combalido futebol, também colaboraram e colaboram até hoje com a revelação de grandes jogadores. A análise objetiva dos fatos não deixa a mínima dúvida. Não é por acaso que Romário veio do Olaria e Ronaldinho do São Cristóvão. Os dois foram os craques dos dois últimos Campeonatos do Mundo, a maior competição esportiva do planeta. Romário foi o craque absoluto da Copa de 94, quando o Brasil conquistou o tetracampeonato e Ronaldinho foi, também eleito, o craque da última Copa, quando o Brasil conquistou, pela segunda vez, o vice-campeonato. Como se vê, nem seria preciso ir ao início da história, nem mesmo ao começo do profissionalismo, para valorizarmos os clubes de menor porte.

Ainda assim, não custa lembrarmos que Leônidas da Silva, que começou no Sírio e Libanês e se revelou no Bonsucesso e Didi, que veio do Americano de Campos, tendo aparecido no Madureira, foram dois cracaços consagrados, em meio à uma constelação, vinda dos menores clubes. Alguma objeção quanto ao valor dos clubes de pequeno investimento? Não! Nenhuma pessoa de bom senso poderia contestar a evidência dos fatos. Isto sem levar em conta que estes clubes jogam quase sempre contra juízes, público, a estrutura muito maior dos clubes de grandes investimentos e, o que é pior, contra os grandes interesses financeiros que injustamente regem nosso esporte mais popular nos dias de hoje. E que num país com grande injustiça social, como desde sua origem é o caso do Brasil, os problemas refletem ainda mais nas classes produtivas, que são as classes trabalhadoras, de onde vêm estes mesmos atletas dos clubes considerados "pequenos".

Finalizando, acho por tudo que foi dito explicitamente acima, o que acontece constantemente com algumas das "grandes" agremiações do nosso futebol, formadas de uma pseudo-aristocracia, de uma falsa elite, é lógico e justo, não merecendo estes clubes exigirem privilégios para permanecerem em divisões quando os resultados não forem conquistados no campo. Por serem produtos e terem coexistido num passado segregacionista e consequentemente repugnante, seus dirigentes deveriam pensar nos erros do passado, para não voltarem a cometer tamanha injustiça no presente. Num futuro democrático e organizado (como todos sempre esperam), deveria prevalecer a verdadeira elite. E esta, não é, nem nunca foi, formada por este tipo de mentalidade.

FIM