Bangu Atlético Clube: sua história e suas glórias

Campeonato Estadual de 1966

"Esse jogo não acaba..."

Texto: Roberto Porto
Fonte: Jornal dos Sports (Memória), 27/04/2003.
Foto: Arquivo JS
Almir (E) parte para cima de Ladeira, dando início à pancadaria que resultou em nove expulsões
SANGUE QUENTE - Almir (E) parte para cima de Ladeira, dando início à pancadaria que resultou em nove expulsões. Sem opção, o árbitro antecipou o fim da partida

Os primeiros anos da década de 60 foram emocionantes para a torcida do Flamengo. Em 1962, o time rubro-negro perdeu (3 a 0) a decisão para o Botafogo, numa tarde em que Garrincha foi o dono do espetáculo. Em 1963, ainda com o "professor" Flávio Costa no comando da equipe, mas com sérios problemas com Gérson, o Flamengo chegou ao título carioca após empate de zero a zero com o Fluminense. Naquele 15 de dezembro, um domingo, o Maracanã recebeu nada menos do que 177 mil pagantes, recorde absoluto de público em jogos entre clubes. Em 1964, um gol de cabeça do atacante Roberto Miranda, do Botafogo, tirou o Flamengo do triangular final que seria disputado com Bangu e Fluminense. Em 1965, uma vez mais, o rubro-negro sagrou-se campeão carioca por antecipação de uma rodada, mesmo perdendo o último jogo para o Botafogo.

Veio a temporada seguinte e o Bangu, que já vinha despontando há algum tempo, fez um campeonato irrepreensível. E não foi uma campanha isolada, já que em 1967 o clube de Moça Bonita também chegou à final do Campeonato Carioca, perdendo de 2 a 1 para o Botafogo. Mas naquele ano de 1966, também o Flamengo exibia a força de costume, lutando para chegar ao bicampeonato. O duelo Flamengo x Bangu no primeiro turno foi espetacular e ficou marcado pelo sensacional gol de cabeça de Almir, arrastando-se na lama do gramado encharcado pela chuva, na única e escassa derrota (2 a 1) do clube alvirrubro. Na véspera da decisão, o clima era de grande rivalidade entre os dois finalistas. O Bangu ainda lamentava o lance que decidira o jogo do primeiro turno, enquanto o Flamengo exibia orgulhoso a sua campanha sem derrota até aquela data.

Na tarde daquele 18 de dezembro de 1966, com arbitragem de Aírton Vieira de Morais, o Sansão, o Flamengo pisou o gramado do Maracanã com Valdomiro, Murilo, Itamar, Jaime Valente e Paulo Henrique; Carlinhos e Nelsinho; Carlos Alberto, Almir, Silva e Osvaldo Ponte Aérea. O Bangu de Castor de Andrade colocou em campo Ubirajara, Fidélis, Mário Tito, Luís Alberto e Ari Clemente; Jaime e Ocimar; Paulo Borges, Ladeira, Cabralzinho e Aladim. Numa época em que as substituições não eram permitidas, o Flamengo foi logo prejudicado quando perdeu, ainda no primeiro tempo, o ponteiro Carlos Alberto, após uma entrada desleal de Ari Clemente. Uma das revelações do Campeonato Carioca de 1966, Carlos Alberto submeteu-se a operações no joelho atingido, voltou aos treinos mas jamais se recuperou totalmente, sendo obrigado a abandonar o futebol.

Estranhamente, aquele Flamengo vibrante, que jogava de maneira vistosa, dono de um meio-de-campo clássico - com Carlinhos e Nelsinho - pareceu totalmente desfigurado a partir da saída de Carlos Alberto. Já o Bangu, percebendo a timidez do adversário, lançou-se ao ataque e marcou dois gols praticamente seguidos ainda na primeira etapa: Ocimar, aos 23 anos, e Aladim, aos 26 minutos. No segundo tempo, Paulo Borges, numa jogada inspirada, marcou o terceiro gol logo aos três minutos. Com 3 a 0 no placar, o sonho da conquista do bicampeonato carioca parecia quase impossível, ou totalmente impossível, para uma equipe desfalcada de um de seus principais atacantes. Foi então que, aos 26 minutos, Almir decidiu acabar com o jogo, provocando uma briga generalizada, que terminou com a expulsão de nove jogadores antecipando o final da partida.

Temperamental, Almir Pernanbuquinho, que morreu assassinado em Copacabana, aos 35 anos, poucos meses depois de ter abandonado a carreira, entrou para a história do futebol carioca. Logo no início da carreira, no Vasco, quebrou a perna de Hélio, do América, inutilizando o companheiro de profissão. Depois, na Seleção Brasileira, foi o estopim de um conflito total num Brasil x Uruguai pelo Campeonato Sul-Americano de 1959, na Argentina. E ainda, quando atuava pelo Santos, aplicou uma covarde cabeçada no rosto de Amarildo na decisão de 1963 do Mundial Interclubes com o Milan, no Maracanã. Sua reação naquele Flamengo x Bangu, portanto não pode ser classificada de acidental. No vestiário, com a desvantagem de 2 a 0, Almir teria dito ao dirigente rubro-negro Flávio Soares de Moura que aquele jogo não acabaria e que o Bangu não daria a volta olímpica porque ele não permitiria.

Hoje, passados quase 37 anos, muitos comparam o temperamento de Almir com o de Heleno de Freitas (1920-1959), centroavante do Botafogo, do Vasco e do América na década de 40 e início da de 50. Heleno, porém, de acordo com o laudo do hospital onde morreu, em Barbacena, era comprovadamente um caso patológico. Mesmo levando-se em conta que contraiu sífilis no auge da carreira, não resta dúvida de que Heleno sofria de esquizofrenia desde muito jovem. Quanto a Almir, nunca se pôde chegar a uma conclusão.

Que seu comportamento não era normal, não resta dúvida. Possivelmente era, igualmente, um caso de esquizofrenia (distúrbio mental e fragmentação da personalidade). Por ironia do destino, entretanto, na noite em que morreu, com um tiro na cabeça, numa briga de bar da Galeria Alaska, Almir Pernanbuquinho entrara justamente para evitar o conflito que havia começado.

Pela primeira e última vez, Almir Pernanbuquinho esboçou um gesto de paz.