Retrato cruel e sem retoque
Texto: José Antonio Gerheim.
Fonte: Coluna Passe Livre, publicada no Jornal dos Sports, em 04/07/2005.
A curiosidade, aliada ao prazer de reviver áureos tempos do futebol do Rio de Janeiro, levou-me sábado à tarde ao simpático estádio de Moça Bonita, onde o outrora grande Bangu iria jogar uma partida chave pelo Campeonato Estadual da Segunda Divisão, contra o Nova Iguaçu, um time que tem como seu maior destaque e líder Zinho, um tetracampeão mundial, titular da Seleção Brasileira de 1994. Um profissional exemplar, campeão pelo Flamengo, pelo Cruzeiro e o idealizador do projeto, objetivo, prestes a ser alcançado, que é o de levar o Nova Iguaçu à Primeira Divisão do Rio de Janeiro.
Se o Nova Iguaçu, que empatou o jogo e se manteve na liderança do quadrangular decisivo do campeonato, confirmando o trabalho que lá vem sendo feito e inclusive já revelou para o futebol o excelente Deivid, atualmente no Santos, me dá esperança, o Bangu, ao contrário, só me faz sofrer. Não tanto pelo time, modesto, mas lutador, mas pela situação em que se encontra o clube.
Empobrecido, isolado, o Bangu parece um daqueles velhos templos em ruínas, um santuário decadente, retrato empoeirado e envelhecido pelo tempo, uma página amarela quase que definitivamente virada e perdida na poeira da história. História que já teve páginas escritas em letras de ouro, por craques e ídolos que vestiram e honraram sua linda camisa branca e vermelha: Domingos e Ademir da Guia, Zizinho, os zagueiros Mendonça e Zózimo, este titular bicampeão mundial no Chile, em 1962, seu irmão Calazans, Parada, Bianchini, Paulo Borges, Fidélis, Cabralzinho, Mauro Galvão, Marinho, Paulinho Criciúma e tantos outros.
A desolação de ver o Bangu logo me transportou para o América de meu companheiro de viagem Newton Zarani, que, por sinal, está cobrindo com seu conhecimento e sua dedicação o campeonato que vai apontar quem subirá em 2006 para ocupar o lugar do Olaria, outro clube tradicional do Rio de Janeiro, rebaixado este ano. Tudo isso me fez pensar e temer muito pelo quadro atual do futebol de nosso estado.
Quem, torcedor apaixonado ou profissional consciente do que representa na história do futebol brasileiro o futebol do Rio de Janeiro, pode estar dormindo tranqüilo com a realidade de nossos quatro grandes clubes, que já foram seis?
Dá para ficar calado e conformado com o Vasco se afundando na zona de rebaixamento, escalando um time que não condiz com sua trajetória no futebol brasileiro, sofrendo derrotas como a de sábado para o Goiás, um resultado que o time goiano jamais havia conseguido em São Januário?
Será esse o Vasco, o grande Vasco, clube que sempre se orgulhou de ser um templo da democracia e na vã tentativa de esconder e camuflar suas atuais dificuldades tenta impor a lei do silêncio, em vez de enfrentar os problemas de frente, de buscar as soluções que não só ele, Vasco, necessita encontrar urgentemente, mas também o Botafogo, Fluminens e o Flamengo, que ontem passou a integrar a lista dos quatro rebaixados se o campeonato terminasse hoje.
Sim, porque quem está num momento de grave crise é o futebol do Rio como um todo. O empobrecimento acelerado dos clubes é resultado de estruturas envelhecidas, ultrapassadas historicamente e que necessitam ser imediatamente revistas para que não ocorra com eles o que já ocorreu com Bangu e América.
Hoje, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco terão na simbólica sede das Laranjeiras, motivados pela discussão do projeto da Timemania, a oportunidade de iniciarem um debate honesto que os leve a se unirem no objetivo de retocar o velho retrato do futebol do Rio de Janeiro com todas as cores e recursos do futebol moderno, da era do marketing e da televisão.