Bangu Atlético Clube: sua história e suas glórias

Não era Garrincha, era Marinho...

Perdemos uma alma boa, singela, não tão talentoso quanto Mané, mas tão menino como ele

Texto: Ricardo Gonzalez
Coluna: Entre as Canetas (Globoesporte.com), publicada em 19/06/2020

Marinho poderia ter ido muito mais longe do que foi, na vida e no futebol. Talento nunca lhe faltou, força física teve até vê-la se esvaindo numa vida de pouca regra. Para quem não o viu jogar, pode sobrar o desconhecimento ou a ideia de que era só folclore. Mas Marinho disputou a Olimpíada de 1976 numa geração que tinha nomes top como o Maestro Júnior, Carlos, Edinho e Batista. Nos anos 80 de atacantes como Renato Gaúcho, Careca, Muller, Roberto Dinamite, e ainda Romário e Bebeto entrando em campo, Marinho brigou por vaga em Copa do Mundo - deveria ter ido na de 1986, talvez fosse mais útil do que o também falecido Edivaldo, não fosse o grande Telê Santana tão turrão. Disputou um título brasileiro, pelo modesto Bangu, e seria campeão com direito a gol da vitória se o árbitro confirmasse um gol anulado que até hoje não me convenceu. Ou seja, teve tudo nas mãos. Faltou estrutura familiar, faltou um staff de apoio, faltou sorte ao não perceber seu filhinho se aproximar daquela piscina. E Marinho nos deixa sem o devido reconhecimento do futebol brasileiro. Mas o meu ele sempre terá.

Eu estava na geral do Maracanã naquele Bangu x Coritiba de 85, o tal do gol anulado de Marinho. Na final do Estadual do Rio, no mesmo ano, fez o gol de seu time na derrota por 2 a 1 para o Fluminense - também com arbitragem polêmica, que acabou o jogo segundos antes do banguense Claudio Adão ser derrubado na área por Vica. Conheci bem Marinho na cobertura do Botafogo de 1989, quando já lutava ele para não afundar. Doce, bem-humorado, ainda alegrava os treinos, mas já não conseguia ter força para atuar no alto nível que tivera outrora.

Foram várias entrevistas com ele. Nos temas duros, ele dava leveza. "Marinho, depois da tragédia com seu filho, o seu casamento também terminou. Como foi esse tempo?" "Difícil, meu parceiro. Eu tentei voltar. Toquei a campainha e falei pra ela: Amor, deixe-me amá-la. Mas ela entendeu errado e me trouxe "a mala" com a minha roupa, pra eu ir embora", comentário sempre seguido de uma gargalhada.

A ingenuidade e a incapacidade se assumir com adulto e responsável por seu destino traçam um parelalo com outro alvinegro bem mais ilustre, Mané Garrincha. Marinho era bom, mas na bola nem chega perto de Mané. Mas ambos eram espécies de Peter Pans dos gramados, só que sem a proteção da Terra do Nunca. Esta terra aqui é dura, e quem não cresce, desaparece.

Conversei ainda muitas vezes com Marinho, numa da incontáveis oportunidades em que o Bangu o acolheu com alguma função simbólica no clube, na comissão técnica. Sempre, por mais abatido que parecesse, me recebeu com um sorriso, um abraço. Tinha consciência de que seus únicos "apoios" na vida foram os bicheiros Emil Pinheiro e, principalmente, Castor de Andrade. Mas eram suportes enviesados, paternalistas, que davam um cardume mas nunca o ensinaram a pescar.

Cheguei a entrevistar Marinho em Bangu, não no clube, mas no bairro, quando continuava tateando por uma escada para subir, desta vez como dono de um pequeno restaurante. Mas ali Marinho já dava sinais de que não controlava o álcool, e sim o contrário. Morreu aos 63 anos, de câncer, em sua Minas Gerais. Deve ter reencontrado Emil e Castor, e os companheiros da conquista do Botafogo em 1989, Mazolinha, Mongol e Valdir Espinosa.

E, com o menino Garrincha, deve estar divertindo e dando leveza ao céu do futebol.