O
grande literato do futebol brasileiro,
Nelson Rodrigues, certa vez disse: "Sou
tricolor, sempre fui tricolor. Eu diria
que já era Fluminense em vidas
passadas, muito antes da presente encarnação".
No meu caso, eu diria o mesmo em relação
ao Bangu, e ainda mais, com certeza serei
banguense nas próximas encarnações.
Não sei exatamente quando surgiu
este fanatismo pelo alvirrubro. Nasci
em Bangu em 1979 e vivi no bairro até
os meus 22 anos.
Lembro-me de que quando petiz, o médico
me recomendou praticar natação
para combater crises alérgicas.
No bairro, existiam dois clubes, o Casino
Bangu e o Bangu Atlético Clube.
Obviamente, optei por nadar neste último,
principalmente porque além da piscina,
havia um time de futebol. Eu tinha apenas
quatro anos, estávamos em 1984.
Apesar dos esforços do professor
Elmo da Rocha Chaves (irmão de
Ênio, atacante campeão em
1966), eu nunca fui um grande nadador.
Mas a partir daí minha paixão
pelo Bangu só aumentou.
Torcer por um clube, e não só
pelo time de futebol, é algo inexplicável.
Mário Filho, o fundador do Jornal
dos Sports e que dá nome ao estádio
do Maracanã, dizia que "é
mais difícil deixar de amar um
clube do que uma mulher". O que eu
sinto pelo Bangu não se explica,
a vontade de reconstruir toda sua história
de cem anos também é um
mistério, quando menos esperava,
lá estava eu procurando informações
em bibliotecas, escrevendo capítulos
na tela do computador e cantarolando o
hino do clube.
Nessas horas eu lembro de minha bisavó,
D. Ophélia (isso mesmo, com "ph").
Nascida em novembro de 1903, meses antes
da fundação do Bangu, tornou-se
torcedora fanática. Minhas recordações
dela são as melhores possíveis.
Dia de jogo, dona Ophélia ia para
a varanda da casa, isolava-se da família,
e levava o radinho de pilha colado ao
ouvido. Acompanhava nas ondas do rádio
todas as partidas do Bangu. No fim de
cada jogo, desligava o velho Philips e
resmungava: "Droga. Perdeu de novo".
E eu, com oito anos, ficava sabendo dos
resultados através dela.
No dia 12 de março de 1990, D.
Ophélia foi ouvir seus joguinhos
ao lado de Deus. Na véspera, o
Bangu jogou contra o Vasco, em São
Januário, com transmissão
ao vivo da extinta TV Manchete. Ela fez
questão de assistir e, ao final
do jogo, repetiu a frase de tantas outras
vezes: "Droga. Perdeu de novo".
Fiquei com o seu legado. Continuei acompanhando
a trajetória do Bangu e por três
anos, de 1999 a 2001, fui Diretor de Patrimônio
Histórico do clube na gestão
do presidente Jorge Varela. Iniciei o
projeto de construção desta
verdadeira "Bíblia do Bangu",
inauguramos uma nova sala para os troféus
e arquivos do alvirrubro na Sede Social
em 17 de abril de 2000, e por fim, ajudei
com minhas pesquisas na conquista da Medalha
Tiradentes, em 20 de novembro de 2001.
Foi um período muito fértil.
Admito que a história aqui escrita
não é só de minha
autoria. Sem os fatos e as jogadas de
tantos craques que vestiram o uniforme
alvirrubro, como Fausto, Domingos, Ladislau,
Plácido, Zizinho, Menezes, Nívio,
Ademir da Guia, Zózimo, Parada,
Ubirajara, Fidélis, Paulo Borges,
Aladim, Moisés, Arturzinho, Cláudio
Adão, Marinho, Mauro Galvão,
entre outros, seria impossível
escrever qualquer texto. Por isso, esta
história pertence a eles e a todos
os torcedores e dirigentes que contribuíram
para o êxito do Bangu durante cem
anos. Como em um revezamento, cada qual
passa o bastão para outro e o clube
continua vivo.
E, parafraseando o imortal Guilherme Pastor,
o primeiro homem a escrever um esboço
da história do Bangu, na revista
publicada pelo clube em 1916, onde afirmava:
"Informações colhidas
em fontes fidedignas, podemos afirmar
a completa veracidade de tudo quanto ficou
escrito, muito embora admitamos que nos
tenham escapado outros fatos de que a
extensão do tempo consumiu os documentos
respectivos."
Se doze anos após a fundação
do Bangu já não existiam
alguns documentos, imagine a árdua
tarefa de resgatar toda a história
do centenário alvirrubro nos dias
atuais.
E
é justamente este trabalho que
temos o prazer de apresentá-lo
agora.
Carlos
Molinari |