O fim de um pequeno grande
Fonte: Revista Veja (edição 193), 17 de maio de 1972

Um clube pequeno e de subúrbio pode ser campeão - o Bangu provou isso, em 1966. Mas toda exceção contraria uma regra - e o Bangu está provando isso, da maneira mais dramática, em 1972, exatamente quando o futebol carioca atravessa uma fase eufórica de grandes contratações e grandes rendas.
Mergulhado em dívidas (perto de 1 milhão de cruzeiros) e desclassificado dos turnos finais do campeonato, o clube entrou num beco sem saída: sem excursões e sem que outros clubes se interessem por amistosos, a solução está sendo emprestar, vender ou simplesmente dispensar os seus jogadores.
Coutinho, ex-companheiro de Pelé, está com passe livre e é um dos candidatos certos ao desemprego se nenhuma excursão for programada. Seu contrato termina em junho, tem salário de 1.500 cruzeiros, mas, a exemplo de seus companheiros, não recebe há três meses. "Acho que o caminho é mesmo o de voltar a Santos", diz ele, que prometia renascer para o futebol no Bangu.
Como ser jovem é ter esperança, o juvenil Jorginho, que tem o apelido de Carvoeiro, prefere não ser emprestado e ficar aguardando a reconvocação para a seleção olímpica, "pois o meu nome de novo na lista é que é importante no momento".
Ascensão e queda
O clube é um dos mais antigos do Rio, fundado em 1904 por um grupo de ingleses que vieram trabalhar na fábrica Bangu. O primeiro título de campeão só veio em 1933, mas grandes jogadores se revelaram em seus gramados, como Domingos e Ademir da Guia (pai e filho). Zizinho, um dos maiores ídolos na história do futebol, vestiu a sua camisa vermelha e branca, quando o Bangu foi vice-campeão, em 1951.
O seu outro título foi conseguido sob a presidência de um outro Zizinho - apelido do fazendeiro Euzébio de Andrade -, três anos depois de ter assumido a direção do clube. O jogo final ficou famoso. Almir, atacante do Flamengo, inconformado com a derrota, armou um dos maiores tumultos do futebol carioca, provocando a expulsão de sete jogadores e o término da partida dezenove minutos antes do fim.
Praticamente com o mesmo time, no ano seguinte, o Bangu foi vice-campeão. O declínio começou quando a classificação baixou para quinto lugar. Desanimado e alegando necessidade de dedicar-se aos seus negócios, o presidente Euzébio de Andrade afastou-se, juntamente com o seu filho, o advogado Castor, que chegara a influir no resultado de uma partida ameaçando o juiz de revólver em punho, no Maracanã (o Bangu perdia de 2 a 1 para o América e ganhou de 3 a 2), não tinha mais o antigo prestígio ao afastar-se, principalmente devido à repressão ao jogo-do-bicho, que lhe valeu um período de prisão na Ilha Grande
Início do fim

Com a saída dos Andrade, o time não se aprumou mais, e tudo culminou com uma desastrosa excursão aos Estados Unidos no início deste ano. A diretoria, chefiada por José Salgado, foi afastada e Euzébio de Andrade, com 71 anos, foi convidado em março para a vice-presidência, a fim de tentar salvar o time da desclassificação, mas não chegou a tempo.
Com o mesmo Euzébio, em outros tempos, o Bangu ficou conhecido como um clube que sabia fazer negócios, revelando e vendendo bons jogadores. Assim, Paulo Borges, descoberto em Laranjais, no Estado do Rio, foi negociado por 1 milhão de cruzeiros; Aladim, que começou nos juvenis, custou 400.000 ao Corinthians. Atualmente, essa política não pode ser posta em prática. Não há jogos e, sem aparecer, os novos valores não podem ser promovidos.
Como os problemas do clube não podem esperar soluções a longo prazo, todos os velhos torcedores e colaboradores foram chamados a ajudar. Guilherme da Silveira Filho, patrono do Bangu e dono da fábrica, entrou com um cheque de 104.000 cruzeiros e deu aval para empréstimos no valor de outros 100.000. Mas não adianta pagar dívidas se outras estão se acumulando. E a atual diretoria decidiu manter apenas um máximo de quinze jogadores aspirantes e juvenis, até o campeonato do próximo ano. Do time que disputou o primeiro turno, alguns receberam passe livre (Luís Alberto, Alves e Édson), outros foram ou estão sendo emprestados e os restantes serão dispensados.
"Sem jogos programados", explica o vice-presidente de finanças, Maurício Buscácio, "não adianta ter um time, que só dá despesas. Para março do ano que vem, vamos contratar jogadores, mas, sinceramente, não vejo futuro para os clubes pequenos. Acho que a solução é nos reunirmos e formar outra liga".
Em 1917 foi pior
Embora Euzébio de Andrade continue otimista a respeito do futuro, o ambiente em Bangu é de desolação. No gramado só se vêem carneiros pastando, completando a idéia de abandono, embora a relação com a crise do clube, no caso, seja apenas simbólica: os animais são soltos ali para manter a grama em bom estado. A maioria dos jogadores tem consciência da ameaça série de desemprego e um sintoma visível foi o fechamento da concentração na Vila Hípica. Os que ainda permanecem no clube estão ocupando os dormitórios do próprio estádio. Para eles, o único consolo é ouvir o torcedor José de Mattos, de 71 anos, goleiro do time até 1929: "Em 1917, a crise foi pior: a fábrica tirou toda a proteção do clube, inclusive seis jogadores ingleses, mas conseguimos superar tudo".
Mas Bauer, ex-lateral do Fluminense, é a imagem do desânimo: "Vim porque aqui seria titular. Mas a situação está difícil e, além de tudo, o azar. Bati o carro e não sei como vou me arranjar".