Bangu, reino da malandragem
A cada dia, o time enche mais velhos malandros do futebol brasileiro. Os últimos foram Marco Antônio e Alcino. Agora, fala-se em Jairzinho. Do futebol, eles conhecem todos os macetes - qualidade ideal para sobreviver no Bangu
Fonte: Revista Placar, 23/01/1981
Repórter: Hideki Takizawa / Fotógrafo: Ignácio Ferreira
Revista gentilmente cedida por Leonardo Cesar (leoicet@terra.com.br)

- Que caras são essas, meus meninos? Todos com olhinho de jacaré em beira de pântano? Vamos que é hora de serpentear atrás da bola!
Quem diria? O velho Moisés dando ordem de serviço, puxando a fila nos exercícios físicos. Aos 33 anos, virou o sargentão do Bangu, o porta-voz de Castor de Andrade para assuntos de futebol.
O calor é intenso em Moça Bonita, mas o time está em campo pronto para treinar. Moisés é cercado pelos companheiros e dá o recado: "Papai Castor convida todo mundo para mastigar 'uma carne macia e tomar uma cerveja, que garganta seca não solta palavra". Hoje é dia de churrascada, amanhã de feijoada, pescaria ou roda de samba. Os jogadores organizam, Castor paga tudo.
Paga tanto que o lateral Marco Antônio, comprado ao Vasco, nem acreditou quando Castor de Andrade resolveu presenteá-lo com uma quitinete, como votos de boas-vindas ao clube.



215 anos de idade e de muita malandragem
- O senhor é a Serra Pelada da minha vida - exclamou o jogador, a um tempo surpreso e emocionado.
Marco Antônio (29 anos), Moisés (33), Ademir Vicente (29), Carlos Roberto (33), Alcino (29), Tobias (29) e Renê (33) integram o chamado "'esquadrão da malandragem". Juntos, somam 215 anos de idade, milhares de minutos correndo atrás de uma bola, vivendo e aprendendo os macetes do futebol. Mas que ninguém se iluda: no Bangu, o malandro maior continua a ser o "doutor" Castor, rei do jogo do bicho, industrial bem-sucedido. E quando suas conversas ao pé do ouvido não resolvem - o que é raro -, resta sempre um último e poderoso argumento: seu 38 todo dourado e com cabo de madre-pérola que traz sempre ao alcance da mão.
Na verdade, esse temível esquadrão não custou muito a perceber que, no Bangu, a grande malandragem é rezar segundo a cartilha de Castor. O ponta-esquerda Marcelinho, garoto novo, demorou um pouco mais para aprender esta lição. Andou torrando o dinheiro dos bichos e salários, além de chegar sistematicamente atrasado aos treinos. Até que um dia recebeu o recado de Moisés: "O homem quer falar com você".
Na sala de Castor, foi recebido por uma expressão carrancuda e uma pergunta formulada com voz firme: "Você anda chegando tarde todo dia, não é?" Tentou contemporizar: "O senhor compreende, o ônibus vem cheio..." E já ia preparando o espírito para uma punição qualquer, quando Castor ordenou: "Olha, isso tem de acabar de vez, garoto. Passe lá na minha agência e pegue um fusca. É seu. E não me atrase mais".


Com o centroavante Luisão, a história não foi muito diferente. Ele tinha a promessa de ganhar um automóvel se marcasse um gol contra o Goytacaz. Fez o que pôde em campo: correu, deu cabeçada em beque, chutou a trave, mas não conseguiu marcar. Por isso, passou uma semana triste, inconsolável. Comovido com o estado do companheiro, Carlos Roberto resolveu interceder junto a Castor. Alguns dias depois,o crioulo aparecia para o treino motorizado e com um enorme riso branco na cara:
- Cê viu, baixinho (Carlos Roberto), o kadron do meu voiquisvague?
Na opinião de Marco Antônio, o Bangu é o paraíso do futebol brasileiro. E para justificar tal afirmação, ele cita não só o apartamento que ganhou de presente de Castor, mas também o clima de liberdade que vigora no clube. Nas reuniões antes de cada jogo, por exemplo, todos falam de tática, discutem qual a melhor maneira da equipe atuar. Essa prática, há quem diga, esvaziou o comando do técnico Décio Leal. Mas Carlos Roberto tem outra opinião:
- Até seu Castor dá palpite e, de todas as sugestões, surge a tática. Vem cá, você não acredita em democracia? Pois aqui exercitamos a democracia à moda Bangu. É um esquema de tanta liberdade que o Castor até já avisou no bar: "Podem servir chope depois do treino porque os meninos gostam. Mas somente dois para cada um".
À sua maneira, Castor vai dirigindo o Bangu, animado por um antigo sonho: repetir a façanha de 1966, o clube sagrar-se novamente campeão carioca. O ano para a grande conquista já está até marcado: 1982.
- O que eu tenho - explica Castor de Andrade - não são malandros, mas, sim, jogadores com uma dose bem mesclada de sabedoria e picardia, que, cá entre nós, é uma forma mais refinada de malandragem.
Desse imprevisível e surpreendente Bangu, que mistura velhas raposas do futebol com alguns jovens valores, pode sair de tudo. Futuros campeões e até mesmo um político - Moisés, que conta com a ajuda financeira e o prestígio de Castor de Andrade para eleger-se vereador pelo Partido Popular. O mote da campanha já está até preparado:
- Um homem só é feliz quando dá arroz e feijão ao pobre. E eu, se for eleito, lutarei por isso - afirma Moisés, ensaiando um discurso tão populista quanto os métodos de trabalho de seu padrinho político.