Bangu Atlético Clube: sua história e suas glórias

O senhor é meu Castor

Fonte: Revista Bangu e Suas Glórias - Ano I - novembro de 1981
Texto: Carlos Lima
Foto: Revista Bangu e suas glórias
Castor de Andrade
Castor de Andrade

CENA 1

Castor saíra atrazado naquela noite escura.

Estava sozinho e envôlto no seus pensamentos. Sonhando com o Bangu campeão, com as obras de caridade, com os seus negócios, nem percebeu que estava sendo seguido. Continuou no seu caminho em direção ao seu carro. Foi aí que aconteceu: o bandido estava com a arma em punho. Olhou fixo para a cara de Castor e lançou o clássico:

- Se mexer vai levar bala. Tou a perigo e quero grana.

Castor não se alterou. Olhou para cara do assaltante e sorriu. Sorriu e lhe perguntou:

- Você não me conhece, menino?

O assaltante fez "foco" na cara de Castor. Seus olhos brilharam naquele instante. Baixou a arma e exclamou:

- Doutor Castor? Meu Deus!

Qualquer um teria feito o seguinte: tomado a arma do assaltante, chamado a polícia, mandado dar um pau no moleque. Todos menos Castor de Andrade.

- Que é que houve com você, menino?

- Sabe, doutor Castor, não consigo emprego, não tenho um único tostão para comprar comida e apelei mas não sabia que era o senhor, doutor Castor.

- Tá duro, rapaz?

- E como, doutor Castor.

Castor meteu a mão no bolso tirou 5.000 cruzeiros e deu ao rapazola. O ainda garoto guardou o dinheiro, estendeu a mão para Castor e disse a ele:

- Puxa, doutor Castor, tinham me dito que o senhor era bacana mas não pensei que fosse tanto assim.

E o assaltante entregou o revólver ao Castor.

Depois, muito tempo passado, em seu escritório, ao lado do seu amigo Toninho Fernandes Filho, Castor me dizia:

- Foi o revólver mais caro que paguei. Uma garrucha muito da vagabunda e me custou 5 mil cruzeiros.

CENA 2

Na Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro o seu presidente, Octavio Pinto Guimarães, sempre me disse que um dos mais inteligentes e dispostos diretores de clubes é Castor. Octavio entende que o dirigente do Bangu nunca está propenso a criar problemas:

- Castor é daqueles que querem conciliar. Diz que não vale a pena ficar brigando, discutindo.

E Octavio tem sempre uma frase engraçada sobre Castor:

- Castor diz que se discussão e zanga dessem lucros seria preciso cadastro para se discutir e brigar.

No futebol Castor é um homem também muito respeitado e é tido como o amigo de todos. Não só pelas facilidades que proporciona a muita gente - que merece e que não merece - mas porque está sempre pronto a atender aos que lhe procuram. Ele me disse certa vez:

- Não me esqueço dos que sempre me compreenderam e sempre me respeitaram. Tenho uma memória fora do comum e ela funciona dentro do meu nível de gratidão.

Os jogadores do Bangu sabem que com Castor é certo o sorriso se o empenho for também certo. Não dá para amolecer em partidas do Bangu, de fazer corpo quieto, de esconder o jogo seja qual for a circunstância. Coitado de quem se deixar vender no time do Bangu:

- Bem, um sujeito que se vende não é gente: é trapo. E onde é que se coloca trapo? Não é no lixo? Pois é.
Numa sexta feira um apronto do Bangu foi movimentado como um jogo. Castor estava lá. Paletó, gravata, roupa elegante. Ao seu lado o treinador João Francisco. Castor ficou calado o tempo todo vendo a turma correr atrás da bola. Que empenho. Que dedicação. O treinador comentou com ele:

- O senhor vem aqui e eles crescem de atuação, doutor Castor.

- Castor ouviu atentamente o que João Francisco lhe dizia. Terminou o treino. Todos passaram por ele e deram o clássico "boa tarde, chefe..."

Castor foi até o vestiário do Bangu. Lá estava a sua rapaziada. Suada. Exausta mas feliz. Castor falou para eles e os surpreendeu:

- Vocês não treinaram hoje, meninos, vocês jogaram. Isto não foi treino coisa nenhuma. Foi jogo.
E os atletas mudos ouviam os elogios de Castor. Ele chamou "Miúdo" um dos seus amigos e segurança. Pediu a pasta:

- Quando se joga futebol com vergonha se ganha dinheiro. Não considero esse treino de hoje um treino: foi um jogo. E eu pago bicho por jogo.

E deu dinheiro a cada um dos atletas pelo jogo. Aliás, pelo treino.

CENA 3

Pelé é quem conta o que Castor fez no Chile, num dos jogos amistosos da seleção do Brasil.

Castor foi chefiando a delegação. No avião ele perguntou a Pelé:

- Qual é o melhor hotel de Santiago?

- O Carrera, doutor Castor - disse o "rei".

A delegação chegou em terras chilenas e rumou para um hotel no centro de Santiago. Castor desceu do ônibus, olhou para o Hotel e perguntou a Jairzinho:

- Que hotel é esse?

- Não é o Carrera, doutor Castor.

Castor, ante os olhos esbugalhados do pessoal da Federação Chilena, mandou chamar todo mundo:

- Todo mundo de volta ao ônibus. E a seleção do Brasil, sob a responsabilidade integral de Castor de Andrade, ficou no Carrera.

No dia do jogo ele entregou a cada um dos rapazes uma medalha de ouro com um cordão de ouro e na medalhinha de Nª Sª Aparecida, de quem Castor é grande devoto, mandou incrustar um pequeno brilhante no local da corôa. Os jogadores ficaram entusiasmados. Nei Conceição, em nome da turma disse a Castor:

- Doutor Castor esse jogo a gente ganha no primeiro tempo...

Promessa cumprida: 4 x 0.

CENA 4

Para não se contar apenas os casos de Castor no passado relembremos o que houve, ainda neste ano de 1981, no Maracanã: Fluminense x Bangu. Castor, como sempre faz, iniciou a oração à Nossa Senhora Aparecida. Todos de mãos dadas. Todos contritos. O jogo começou. O Bangu levando um passeio do Fluminense. Os banguenses acovardados e caminhando lentamente em campo. Terminou o primeiro tempo. Voltam os atletas. No vestiário verificam que o nincho onde está a imagem de Nossa Senhora Aparecida está fechado.

Perguntam o por quê?

Castor limita-se a responder secamente:

- Nossa Senhora não ajuda a filhos da ... que não querem correr.

Ninguém disse nada. Rubem Feijão fez um gol antológico em Paulo Vitor e o Bangu deitou e rolou sobre o Fluminense. Final do jogo, Castor na porta do vestiário.

- Vá até a Nossa Senhora e agradeça, meu filho. Depois você toma o seu banho.

EPÍLOGO

Quem é Castor de Andrade? Apenas o dirigente do Bangu? Apenas o advogado que está sempre pronto a atender aos necessitados? Apenas o negociante de pescados no sul da minha Bahia? Apenas o filho de um dos mitos de Bangu, "seu" Zizinho? Apenas o homem que resolveu dar tudo de si para a Mocidade Independente ser campeã e conseguiu o seu intento? Apenas o esportista que vai aos treinos, que reclama de tudo em benefício do clube? Apenas isto?

Castor de Andrade é o próprio Bangu. Quem diz isto é o presidente do clube, seu amigo de infância, Antenor Vicente Corrêa Filho. É o Bangu e é Bangu. Sua vida gira em torno de Bangu, só para Bangu. De lá tira o seu sustento e deste sustento mantém o próprio Clube. Não sabe medir valores quando o beneficiado é o Bangu. Foi assim como seu pai, "seu" Zizinho. É assim até hoje. No Bangu ele quer saber de tudo e quer ser tudo. Não causa inveja e nem semeia discórdia. Antenorzinho, presidente do Clube, é quem garante isto. Diz sempre quando alguém quer insinuar que Castor faz as coisas e depois é que comunica à diretoria do Clube:

- O Bangu é Castor, meu filho. Castor é o próprio Bangu. Não há como se distingüir a criatura do criador. Tudo de Castor é para o Bangu e tudo do Bangu é com Castor. Seria um estúpido se quisesse colocar vaidades acima de uma realidade palpável. O Bangu é Castor. Quem primeiro sabe desta situação sou eu, o presidente. Depois de mim os meus diretores. Antes de nós todos um povo inteiro, O Bangu é "o Bangu do doutor Castor". Eu também sei disso e tenho muita honra de dizê-lo porque eu também sou um banguense nato, sincero, completo, total, imutável. Quem é assim como eu, como Vivi, como Toninho, como muitos que existem aqui, o Bangu é Castor. Nós somos Castor, somos Bangu. É o que nos basta:

Somos duplamente orgulhosos.

E no canto da sala de troféus o velho Vivi, a maior memória de esportes que já conheci, sorri sozinho e olha a cara do jornalista, vem em minha direção e diz com sua voz calma e segura:

- Como você um dia escreveu no "Jornal dos Sports", parodiando o Salmo 23, versículo 1: "no Bangu, o senhor é o meu Castor e nada nos faltará..."