Guilherme da Silveira Filho: "meu pai foi apenas um médico"
Fonte: Revista Bangu e Suas Glórias - Ano I - novembro de 1981
Texto: Carlos Lima

A idéia inicial era para o doutor Guilherme da Silveira Filho escrever alguma coisa sobre seu famoso pai. Até o título já tínhamos sugerido: "Guilherme da Silveira, meu pai". No seu escritório, no 4º andar da Rua Teófilo Otoni 18, esperei, ao lado de Gervásio Batista, um dos maiores fotógrafos do Mundo, mais ou menos 30 minutos. O doutor Silveirinha tinha ido à missa de sétimo dia pela alma de Mário Reis, seu primo, um cantor da velha guarda que, na realidade, popularizou a nossa música. Passado o período de espera preferimos marcar, com a secretária dele, um novo momento para as fotos e para o material sobre o doutor Silveira, o pai. Quando o elevador parou no 4º andar porém dele desceu o doutor Silveirinha. Elegante como sempre, vinha de cara fechada. Gervásio pediu que ele pousasse ao lado de uma fotografia enorme que está na sala de recepção e onde está o velho Silveira bem moço ainda. Preferia pousar sentado em sua mesa com uma foto menor do doutor Silveirinha. Gervásio Batista, fotógrafo de reis e de rainhas, conseguiu desanuviar o ambiente e, num instante, o doutor Silveirinha estava sorrindo fez a pôse que Gervásio queria. Fomos conversar:
- Sei que o senhor quer um artigo meu sobre meu pai. Fiquei muito honrado com a sugestão mas peço para deixar para outra oportunidade. Não teria cabeça calma e tranqüila agora para escrever. E escrever é para o senhor. Eu sou um engenheiro e um industrial. Além disso a fase porque passam indústria e comércio no momento é muito parecida com aquela em que meu pai recebeu a Companhia Bangu e isto me deixaria mais ainda traumatizado se quisesse escrever sobre ele. Vamos conversar. Contarei as coisas e o senhor dará a forma de entrevista ou de crônica. Fica a seu critério.
E ficou.

GUILHERME DA SILVEIRA: MEU PAI - I
É difícil falar-se do doutor Silveira sem se falar no doutor Silveirinha, seu filho. Para este seu pai foi "APENAS UM MÉDICO". E ele dizia:
- Meu pai foi apenas um médico. Dedicou a sua vida à medicina, à procura de remédios para o corpo e para a alma. Acho que ele encontrou mais moléstias na alma do que no corpo. E eu quando falo em alma me refiro ao modo de viver, ao modo de agir de todos nós. Meu pai entendia que este País imenso não era apenas o Rio de Janeiro onde vivia, clinicava, trabalhava. Sempre teve olhos voltados para o futuro. Sempre procurou fazer fórmulas que lhe permitissem curar os males gerais de uma grande Pátria como a nossa. Poderia se cingir ao seu mundo, ao seu consultório, aos seus doentes, as suas aspirinas e xaropes. E por que não? Porque meu pai entendia que o mundo era um desafio geral e não apenas quatro paredes brancas de um consultório. Por isso ele procurou os remédios para os males administrativos e os encontrou. Quando chegou a Ministro da Fazenda sabia mais do que ninguém que a doença-da-Nação estava em ponto muito elevado, muito acentuado mas, como médico, sempre como médico, precisava salvar o "doente". Trabalhou para isso. Enquanto comandou as finanças não deixou faltar plasmas, oxigênio, etc. Não houve morte.
Meu pai era apenas um médico - frizou o dr. Silveirinha.
GUILHERME DA SILVEIRA, MEU PAI - II
A história de Guilherme da Silveira e o Bangu Atlético Clube não nasceu do consultório dele. Nem era em Bangu. Nasceu no dia em que amigos seus, da Companhia Bangu, entenderam que deveriam homenageá-lo, dando-lhe a presidência da Companhia. O doutor Guilherme iria ganhar mais, pensaram os amigos. Aceitou a missão. Outro desafio. E lá estava ele no comando da grande empresa. Foi a época das vacas magras. E como. O médico de sempre procurou os remédios para os males que afligiam a sua empresa. Encontrou-os. Chamou os filhos para ajudá-lo e assitiu o crescimento da Companhia Bangu, da Fábrica. Aí já estava na comunidade de Bangu. Já possuia um outro grupo de clientes - o povo de Bangu - e para este grupo a sua Fábrica inovava em matéria de política social. Crescia a fábrica e com ela o novo Bangu.
O clube e o bairro.
GUILHERME DA SILVEIRA: MEU PAI - III
Em novembro de 1974, dia 4, morreu o doutor Silveirinha.
Já estava doente. Sabia o que tinha. Nunca se enganara em relação ao mal incurável que lhe minava o organismo. Dois dias antes ele chamou o filho, Silveirinha, e contou que sabia do seu fim, que não passaria das próximas 48 horas mas que morria levando apenas uma pequena mágoa. O doutor Silveirinha consolou o velho pai com 92 anos de idade:
- O senhor não pode e nem deve levar mágoas, papai. O senhor foi tudo na vida, chegou a Ministro da Fazenda. Só faltou ser Presidente da República. Como levar mágoa ou ter decepção com uma vida tão cheia de realizações, meu pai?
E o doutor Silveirinha deve ter sorrido um instante naquele momento de grandes dores e disse ao filho querido:
- Eu fui apenas um médico, meu filho. Apenas um médico.
Naquele mesmo momento e o doutor Silveirinha contou e seus olhos se encheram de lágrimas, o velho doutor Silveira disse a ele:
- Nesta vida que se finda só tenho saudades de ter sido seu pai, pela grandeza de filho que você foi para mim, do muito que representou a sua presença como filho, filho querido sem dúvida.
Isto está também, na dedicatória de um livro que o velho Silveira ofereceu ao filho Silveirinha.
Hoje ele recorda isto de seu pai, do mesmo médico, do mesmo homem de grande inteligência e de visão inigualáveis.
Foi por isso que no dia em que o Conselho de Medicina do Rio de Janeiro mandou o diploma do velho doutor Silveirinha fez acompanhar um ofício onde, além de dizer que o diploma era o de registro mais antigo naquele órgão, o "doutor Guilherme da Silveira, ao lado das imensas realizações que todo o Brasil conhece, foi também um médico".
Doutor Sílveirinha agradeceu honrado o que fez o Conselho.
Enviou, porém, um novo documento e disse que seu pai fora um médico, apenas um médico. O que ele fizera não tinha tanta importância como o fato de ter sido e sempre - um médico. Apenas um médico.
DOUTOR SILVEIRINHA- I
Ficou ao meu critério fazer a reportagem com o doutor Silveirinha. Por isso - e usando do que me foi delegado pelo próprio entrevistado - escrevo sobre ele, a quem conheci na manhã cinzenta de uma terça feira de outubro, no dia da missa de 7º dia do cantor Mário Reis, seu primo. Doutor Silveirinha não aparenta os 74 anos já feitos. Parece um homem de 60 anos. Muito firme, muito elegante, falando fluentemente com uma memória prodigiosa, contou-me do Bangu como se este Clube fosse parte de sua vida - e é, diria mais tarde a mim e a Gervásio. Presidiu o clube em 1937 com então 30 anos. Era todo entusiasmo. Falou que o Bangu - ao lado do Fluminense - em 1904, fundara a primeira liga de futebol deste Rio de Janeiro. Confirmou que as bolas vindas nas bagagens dos ingleses que acompanhavam as máquinas para a Fábrica Bangu, foram as primeiras que apareceram no Brasil. Falou no São Jorge, o "Santo Cavaleiro", de cores branca e vermelha, mesmas cores das camisas do Southampton da velha Inglaterra. Disse que recebera, como Patrono, poderes imensos. Podia vetar nomes para a diretoria do Bangu. Podia destituir diretores e acabar com presidentes. Não quis usar tal poder:
- Certa feita, porém, fui obrigado a usar o AI-5 do Bangu, depondo a diretoria de certo presidente para evitar o cáos. Mais tarde eu mesmo conseguiria retirar dos estatutos do Bangu tal poder que davam ao Patrono.
Foi o doutor Silveirinha quem construiu o campo do Bangu. Queria que se chamasse Estádio Proletário. Lembra que naquela época, com liberdades políticas para valer, viu que a primeira delegação de partido político na festa do dia 15 de novembro de 1947 era do Partido Comunista Brasileiro:
- Não vi nada mais belo do que a festa de inauguração do nosso Estádio.
Fala sobre a ida de Zizinho para o Bangu e diz que foi o grande craque quem determinou a sua ida para o clube do dr. Silveirinha:
- Num jogo Bangu x Flamengo, que nós ganhamos, quase que Zizinho estragava a festa. Preferimos contratá-lo.
Vai falando da vida do Clube e não se refere à sua condição de patrono. Lembra de Bangu x Fluminense quando Didi quebrou a perna de Mendonça, o pai deste brilhante atleta do Botafogo de hoje.
E fala de Castor.
DOUTOR SILVEIRINHA - II
Castor é um querido amigo do doutor Silveirinha. Amigo de horas difíceis. Também Castor de Andrade sabe que sempre contou com o doutor Silveirinha em todos os instantes. Ele conta que foi Castor quem chegou para ele, em fins de 1962 e perguntou:
- Se meu pai for candidato o sr. o apoia?
São do doutor Silveirinha as palavras abaixo:
- Apoiei e o Bangu teve uma gestão impecável. O pai de Castor, "seu" Zizinho foi um grande presidente, um dos maiores presidentes que o Bangu já teve. Seu filho, Castor, ainda muito jovem, também se dedicou ao Clube e, hoje, é uma bandeira do próprio Bangu.
EPÍLOGO
Esta reportagem foi levada ao doutor Guilherme da Silveira Filho para que ele a lesse antes de ir para gráfica:
- Não precisa. O senhor vai escrever, vai dar seu enfoque e depois pode publicá-la.
Não aceitei a sugestão do doutor Silveirinha:
- Esta entrevista, doutor Silveirinha, é uma parte da História de Bangu, do futebol do Rio de Janeiro, do bairro de Bangu. Eu apenas vou procurar arrumar as coisas para melhor entendimento dos leitores desta Revista. Tudo aquilo que eu escrever e o fizer em seu nome, estou assumindo um compromisso com a História do Futebol, a História do Bangu, a História dos Grandes Homens, como o seu pai e como o senhor mesmo. Prefiro que a leia antes. Tire o que for entendido como exagerado. Nada há de falso. Sei, porém, que o lirismo às vezes nos leva a pontos muito altos e isto pode dar um cunho de ficção ao que se escreve. Se faltar algo, por gentileza, coloque. O leitor nunca há de sentir que o senhor mudou alguma coisa na matéria que tive a honra de escrever mas eu e a minha consciência profissional teremos mais descanso se recebermos o seu "nihil obstat'. Eu sou um escrivinhador de fatos, de versões, de histórias e de estórias, doutor Silveirinha. O senhor, porém, é personagem de uma História real e verdadeira.
Quem sou eu para mudar o curso da História, doutor Silveirinha?
RECEBI ESTE BILHETE DO DR. SILVEIRINHA

Texto do bilhete:
Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1981
Meu caro Carlos de O. Lima
Comoveram-me profundamente suas palavras que você sobre o meu Pai, a Fábrica, o nosso Bangu e o seu patrono.
Nada tenho a acrescentar ou a retirar.
Direi, apenas, muito obrigado.
Afetuoso abraço.
Guilherme da Silveira