O craque da Taça - Marinho, o Bola de Ouro
Logo, logo, a tristeza pela perda do título brasileiro vai passar. E o melhor jogador do campeonato voltará a ser alegre - como seus dribles, que fazem lembrar Mané Garrincha.
Fonte: Revista Placar, 09/08/1985
Repórter: Tim Lopes / Fotógrafo: Ricardo Beliel


O funcionário do Maracanã balança impacientemente um molho de chaves e avisa, mais uma vez, que tem gente esperando por Marinho lá fora. O jogador ajeita o cabelo em frente a um espelho no vestiário e sai pelo túnel mal iluminado e em silêncio. É 1 e meia da madrugada. No caminho, vem de novo aquela mesma imagem que ele não consegue esquecer. Marinho pega a bola no meio de campo e os 90 000 presentes ao estádio parecem estar calados, respiração suspensa. O rápido ponta-direita dribla o zagueiro Gomes, ultrapassa com a simplicidade de um toque o quase intransponível goleiro Rafael e vê Gomes plantado debaixo das traves. A bola rola mansa por entre as pernas do vexado zagueirão e vai descansar no fundo da rede. Bangu 2 x 1. O Coritiba já era. Marinho corre e vibra. De repente, um apito estridente soa mais alto que o samba da bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel. No instante do gol, pouquíssimas coisas passaram pela cabeça desse mineiro de temperamento alegre e brincalhão. Ele vivia momentos de sonho que o maldito apito estridente levou embora. O apito de Romualdo Arppi Filho, que anulou o gol (Marinho estava realmente impedido) e roubou do ponteiro a alegria de se sentir vestido com a camisa 7 da Seleção Brasileira, um dia famosa no corpo do genial Mané Garrincha. Na verdade, muita gente que foi ao Maracanã assistir à decisão da Taça de Ouro entre Bangu e Coritiba, várias vezes se lembraram de Garrincha. Marinho deu dribles desconcertantes no seu competente e promissor marcador, o lateral Dida. A torcida ia ao delírio. O ponta provou mesmo que foi o melhor jogador do Campeonato Brasileiro - e por isso ganhou a Bola de Ouro, de PLACAR.

Na verdade, nada consolava a caminhada de Marinho no escuro túnel do Maracanã. "Aquele gol ia me consagrar para o resto da vida", inconforma-se. Agora, ele só quer encontrar a família e os amigos mais próximos para aliviar sua dor. "Ei, ei, ei, Marinho é nosso rei... Ei, ei, ei..." Um grupo de torcedores - todos da família -berrava na saída do estádio, tentando animar o jogador que saía cabisbaixo. Um abraço na mulher Tânia, um esboço de sorriso e logo, logo, ao ser colocado nos ombros daqueles solidários fãs, o velho brilho de alegria, sua marca registrada. É hora de ir para o Ponto do Chopp, em Copacabana afogar as mágoas, exigida a ressalva de não se falar mais em futebol pelo resto da madrugada.
A quarta-feira da semana passada, dia de decisão da Taça de Ouro, havia começado bem diferente para Marinho. Na Toca do Castor, horas antes do jogo, foi ele quem organizou uma lista entre os companheiros arrecadando dinheiro para ser distribuído entre os serventes da concentração. "Ele sempre procura ajudar aos outros", elogia Lislei, administradora da Toca. "Marinho tem um coração enorme." O craque dispensa os elogios. "Eu sofri, passei maus bocados na vida e sei que a barra é pesada", justifica, lembrando da infância em Belo Horizonte, quando andava 2 horas para ir treinar no Atlético Mineiro. Aos 12 anos, estreou nos dentes-de-leite e ganhou uma bicicleta por ter sido o melhor em campo. O prêmio não conseguiu aliviar a primeira grande tristeza de sua vida: sua irmã Irene morrera atropelada na véspera, aos 21 anos, em cima da calçada no bairro pobre de Santa Efigênia, onde Marinho nasceu e passou sua infância. Antes de se firmar no Atlético, Marinho foi engraxate e zanzou durante muito tempo pelas ruas de Belo Horizonte. Mas a mãe, dona Ifigênia, era fanática e queria porque queria que o filho - que ela chama de Leleza - fosse jogador de futebol. "Ela é minha maior incentivadora", diz orgulhoso. Na quarta-feira da decisão, hora do almoço, Marinho vê a mãe na tela da televisão, no Globo Esporte. Leva um susto, mas não perde mais uma oportunidade de bancar o palhaço: "Ih, foram desencravar a velha lá em Belo Horizonte", goza. "Olha só a peruca que ela está usando. Vai ser vaidosa assim na China."

Só ele sabe o sacrifício que a "velha" fez para criar os filhos. O pai tinha desaparecido de casa e era ela quem segurava a barra da família. "Ela trabalhava na lavanderia do Hospital Militar e mais tarde acabou lavando cadáveres. É mole?", pergunta. Paradoxalmente, diz que foi da mãe que herdou a alegria e a descontração.
Unia presença de espírito que fez com que, há pouco tempo, por exemplo, espalhasse faixas de pano pela rua onde mora. Havia brigado com a mulher e tentava a reconciliação com um singelo "Tânia, eu te amo" escrito em letras garrafais.
Criança crescida, nem parece ter 28 anos de idade. E capaz de loucuras, como a de se jogar na água da Barra da Tijuca e ser arrastado pela correnteza. Foi salvo por Cláudio Adão e pelo goleiro Nardo, em agosto do ano passado. Os companheiros de Bangu o adoram. Afinal, ele sempre tem uma piada nova para contar, uma gozação pronta para fazer com alguém. E não foi só com os amigos do clube que ele se enturmou. Apreciador de uma cerveja bem geladinha, descobriu uma família de mineiros dentro da favela do Vintém, uma das cinco que cercam Bangu, por onde passava levando papos e matando as saudades da terra com "seu" Ivan, dono da casa. Esse passatempo já estava atrapalhando sua vida profissional e familiar. Voltou a viver entre o clube e sua casa "Aqui só aparece meus verdadeiros amigos", proclama Marinho. Na mesa da sala, a Bíblia está aberta na página 576: "Tudo tem seu tempo determinado e há tempo para todo o propósito debaixo do céu".

O tempo de ascensão, para o ponta, começou no clube do seu coração o Atlético. Lá, foi campeão mineiro de 1978 e vice-campeão brasileiro de 1977 (ironicamente, o Galo perdeu a decisão para o São Paulo nos pênaltis, depois de ter feito uma campanha espetacular). Acabou, indo para o América de São José do Rio Preto (SP), depois de ter sido sacado do time do Atlético pelo treinador Barbatana. No interior paulista, começou a ser cobiçado pelos grandes clubes. Além disso, Marinho e Tânia conquistaram Rio Preto. Até hoje Marinho tem pendurada na parece da sala uma moldura com o "Diploma de Mérito Esportivo", da Câmara Municipal de São José do Rio Preto.
A casa, por sinal, localizada numa tranqüila rua de Jacarepaguá, dada pelo patrono do Bangu, Castor de Andrade, vale 120 milhões de cruzeiros. É o maior patrimônio de Marinho. Ele mora ali com Tânia e o casal de filhos: Priscila, de cinco anos, e Júnior, de seis. Antes de se instalar em Jacarepaguá, entretanto, arrumou as malas umas quatro vezes. Uma hora ia para o Grêmio, outra, para o Internacional. Chegaram até a dizer que era epilético. O negócio só foi realizado quando Castor de Andrade chegou interessado no seu passe. "Ele veio, botou o revólver em cima da mesa e o negócio saiu", lembra. Seu passe foi vendido por 40 milhões de cruzeiros mais a cessão dos jogadores Dreifus e Gilmar. Em janeiro de 1983 ele chegou ao Rio com 300.000 cruzeiros no bolso e hospedagem no Hotel Plaza, por ordem do homem.

As lembranças do passado, as emoções do presente e uma extrema, fortíssima confiança no futuro se misturam na mesa do Ponto do Chopp. De vez em quando, Marinho fica triste, apagado. O apito do gol anulado ecoa em sua cabeça. Nada pode mudar e a melancolia deste Marinho que desperta para o futebol aos 28 anos aumenta. Ainda resta a esperança, porém: todos os que gostam desse imprevisível jogo de bola continuam acreditando na simplicidade dos dribles fenomenais desse pontinha atrevido. Que ele continue vestindo - quem sabe no México? - essa mágica camisa 7 que Mané Garrincha imortalizou.