Operários do Bangu carregam o piano e não desafinam
Quase ninguém percebe o trio em campo. Mas Mário, Oliveira e Israel estão lá e dão conta do recado
Fonte: Revista Placar - nº 812, 13/12/1985
Os chamados "operários" ou "carregadores de piano" são freqüentes em todos os times, em qualquer época, embora despertem pouca atenção dos torcedores. Fazem raros gols, esporádicos lances extraordinários e quase sempre são esquecidos na hora da escolha do melhor em campo.
De qualquer forma, eles são praticamente indispensáveis. Recorde-se que na década de 60, por exemplo, o Santos tinha craques como Pelé, mas operários como Mengálvio; o Botafogo carioca tinha astros como Garrincha, porém utilizava carregadores de piano como o gaúcho Élton.
O Bangu, vice-campeão brasileiro e finalista do Campeonato Carioca, com sua escalação atual vem apenas comprovar essa tradição do futebol. Seu ídolo, como se sabe, é o ponta-direita Marinho. Seu líder, o técnico Moisés. Seu dono, o patrono Castor de Andrade. Ao lado deles, alguns nomes aparecem pouco, mas são fundamentais. Os operários do Bangu formam, na verdade, uma espécie de espinha dorsal do time.
Na zaga, surge Oliveira, que no Rio de Janeiro só perde em regularidade para Leandro, do Flamengo, enquanto mais à frente Israel subverte todos os conceitos sobre o posicionamento de um cabeça-de-área. E, na ponta-de-lança, Mário, campeão pelo Fluminense em 1980, continua justificando sua indicação como um dos melhores na especialidade na última Taça de Ouro.
Oliveira e Israel estão convencidos de sua missão. Não demonstram preocupação ao ser classificados como carregadores de piano. Gostam declaradamente de atuar para o time. Jogando atrás, os dois acumulam três gols cada um, em sua curta carreira. "Todos decisivos, graças a Deus", observa Oliveira.
O zagueiro-central, nascido há 25 anos em Itaperuna, interior Fluminense, tem um estilo elegante e seguro. Às vezes, avança, faz deslocamentos, mas sobretudo mostra uma certeza. "Se o Bangu está mantendo uma ótima fase é exatamente porque possui uma base sólida", explica Oliveira. "Afinal, atrás de um bom ataque sempre existe um bom meio-campo, uma firme defesa e um impecável goleiro. E, enfim, um segura as possíveis falhas do outro".
Israel, também 25 anos, cabeça-de-área, concorda com Oliveira. Ele assinala, ainda, que seu êxito é de total re sponsabilidade do técnico Moisés. "Não é qualquer treinador que vai buscar um jogador desconhecido, de time pequeno, e logo o coloca como titular", esclarece.
De fato, Israel, carioca da Tijuca, começou a jogar na equipe amadora do Petropolitano, de Petrópolis, como lateral-esquerdo. Em seguida, foi convocado para a Seleção Carioca de juniores, ainda na posição. Passou, rápido, pelo Serrano e o Campo Grande. Levado para o Bangu, experimentou a mudança para a cabeça-de-área. "Pegar na bola e chutar a gol, realmente não é o meu forte", analisa. "Eu prefiro fazer lançamentos, dar passes, atingir a linha de fundo. Ajuda atrás e na frente. Sou o fator surpresa do meu time".
Os dois carregadores de piano do clube são também bons amigos e residem na Toca do Castor, concentração mantida pelo patrono do time, no subúrbio carioca de Bangu. Dividem futebol, amizade e saudade da raiz da serra de Petrópolis - alia estão localizadas as cidadezinhas de Itaperuna, onde nasceu Oliveira, e de Xerém, onde vive a família de Israel: "Temos certeza de que quem entende de futebol sabe da nossa importância", confia o cabeça-de-área.
Já o ponta-de-lança Mário desafina o coro dos conformados. Ele cultiva velhas amarguras. Em 1980, quando foi campeão pelo Fluminense, esperava que o técnico Telê Santana o convocasse para a Seleção. Como Telê não o chamou, considera-se injustiçado. Não aceita os rótulos de operário e carregador de piano. "Não sei o que acontece comigo", lamenta. "Corro como um louco em campo. Eu me mato, faço tudo igualzinho aos outros. E, no fim, ninguém me vê".
Mário, que tem 28 anos, chuta forte, possui bom domínio de bola e quase não faz gol, confessa, desolado, que não ouve a torcida gritar seu nome. Reclama que seu futebol não é reconhecido e aponta como última injustiça sua ausência na lista de premiados da Bola de Prata, de Placar. "Querem me levar à loucura", fala, entredentes, em tom ácido.
Mário não vive na Toca do Castor, a 52 km da Zona Sul do Rio. Separado da mulher, ele alterna passagens pela casa dos pais, na Ilha do Governador, e da irmã, no subúrbio de Pilares, não muito distante do clima da concentração, permanecendo unido, de certa forma, a Oliveira e Israel pelo estigma de carregador de piano ou operário.
Enfim, os três operários do Bangu moram todos perto do Estádio de Moça Bonita. E, se não têm o trabalho comentado, discutido e reconhecido fora do campo, pelo menos sabem que, no gramado, são responsáveis pelo bom desempenho do time mais regular do Campeonato Carioca. Não é por acaso que o Bangu está disputando o título estadual e é o atual vice-campeão brasileiro.
Posição: Zagueiro
Clube anterior: Americano
Estréia: 27 de janeiro de 1985: Bangu 1 x 0 Brasília, em Moça Bonita
Total de jogos pelo Bangu: 236
Período em que jogou: 1985 a 1992
Gols marcados: 6
Último jogo: 6 de dezembro de 1992: Bangu 1 x 1 América, no Andaraí
Posição: Meio-campo
Clube anterior: Campo Grande
Estréia: 1º de junho de 1984: Bangu 4 x 0 Seleção da Tailândia, na Coréia do Sul
Total de jogos pelo Bangu: 220
Período em que jogou: 1984 a 1991
Gols marcados: 2
Último jogo: 25 de novembro de 1991, Bangu 1 x 3 Fluminense, nas Laranjeiras
Posição: Meio-campo
Clube anterior: Vasco
Estréia: 18 de agosto de 1982: Bangu 1 x 1 Madureira, em Moça Bonita
Total de jogos pelo Bangu: 143
Período em que jogou: 1982 a 1986
Gols marcados: 14
Último jogo: 29 de julho de 1986: Bangu 0 x 2 Coritiba, no Paraná