Bangu Atlético Clube: sua história e suas glórias

Libertadores: Bangu aposta na catimba

O vice-campeão brasileiro inicia uma grande aventura e confia na malandragem de sua comissão técnica para ir à forra do Coritiba

Fonte: Revista Placar, n° 830, publicada em 21/04/1986

Junto com as bolas, meiões, ataduras, uniformes, agasalhos e caneleiras, o Bangu incorporou um item insólito na bagagem para sua estréia na disputa da Libertadores da América, a partir do próximo dia 1º: 15 kg de feijão-preto e 10 kg de carne-seca, costelinha, paio, lingüiça, toucinho e temperos como alho, sal e cebola. Tudo para que os jogadores não sintam muita falta do Brasil em seu périplo pelo Equador.

E, para transformar todos esses ingredientes na brasileiríssima feijoada, que tanto delicia os banguenses, a cozinheira da Toca do Castor - concentração do clube -, dona Teresinha da Cunha Nunes, já está integrada à delegação. Nada de mais para um time que, mesmo sem torcida e tradição, já chegou ao vice-campeonato brasileiro e carioca - e, além de tudo, tem como presidente de honra e "protetor" um dos maiores banqueiros de jogo do bicho do Rio de Janeiro, Castor de Andrade. O Bangu é, realmente, uma equipe sui generis.

Tamanho sucesso o Bangu só conheceu em duas ocasiões de sua longa vida esportiva: 1933 e 1966. Foram os anos de seu únicos títulos de campeão carioca. E agora, escorado no dinheiro e na paixão de Castor, na malandragem do técnico Moisés e no talento do craque Marinho, atualmente na Seleção Brasileira, o Bangu chegou à Libertadores. E já sonha com a final do Mundial Interclubes em Tóquio.

E é na base da catimba e da esperteza que o Bangu pretende levar a cobiçada taça para casa. Afastado da disputada da Taça Guanabara (primeiro turno do Campeonato Carioca), o clube tratou de investir forte na competição. Marinho trocou a Toca do Castor pela Toca da Raposa? Tudo bem! Moisés trouxe Toby, do Coritiba; Ricardo, do Paulista de Jundiaí; Márcio Rossini, do Santos; Fajardo, do Friburguense; e Filipe, do Bonsucesso. Com esses reforços, foram gastos cerca de 2 milhões de cruzados. Não é muito para quem fatura algo em torno disso, a cada dois dias, com o jogo do bicho.

Ágil, Castor já deu também o primeiro drible no jogo do tapetão. Sua grande vitória, fora do campo, foi marcar as duas partidas com os times equatorianos, o Barcelona, de Guaiaquil, e o Deportivo, de Quito, para o Estádio de Moça Bonita, em Bangu. É de fato uma façanha, pois a Confederação Sul-Americana exige estádios com capacidade para 25.000 pessoas enquanto Moça Bonita só comporta 15.000. Para isso, Castor contou com a boa vontade do Coritiba, que também preferiu enfrentar os equatorianos em seu estádio, o Couto Pereira, cuja segurança está ameaçada por um problema na sustentação da cobertura das sociais. Uma evidente troca de gentilezas, que Castor retribuiu com a decisão de transferir o jogo entre ambos do apertado, esburacado, porém conhecido, campo de Moça Bonita para o Maracanã.

No Bangu - como aliás acontece no Coritiba -, todos estão convencidos de que essa partida será a realmente decisiva do grupo. "A sede de revanche vai nos ajudar", prevê Moisés, lembrando-se da derrota, nos pênaltis, na final da Taça de Ouro de 1985. Mas, de início, as atenções estão mesmo voltadas para os desconhecidos Barcelona e Deportivo. Assim, nesta sexta-feira, dia 18, com duas semanas de antecedência. Moisés já viaja para lá. Oficialmente, irá reservar hotéis e campos para treinamento. Na verdade, ele vai é espionar a estréia do Coritiba, contra os equatorianos e um dos jogos entre eles.

Mas o Bangu ainda tem um ás na manga, que é a sua comissão técnica. O supervisor Neco (ex-lateral-direito), o técnico Moisés (ex-zagueiro-central), o treinador de goleiros Paulo Lumumba (ex-quarto-zagueiro) e o assistente Alfinete (ex-lateral-direito) foram uma zaga de respeito, bem ao estilo do torneio: viris, trombadores e vigorosos. E com a vantagem de todos terem disputado pelo menos uma Libertadores. Neco foi o que jogou a mais remota entre os quatro - em 1962, pelo Cerro Porteño, de Assunção, ao qual estava emprestado pelo próprio Bangu. Lumumba participou pelo Fluminense em 1971; e Alfinete, pelo Vasco, em 1975. O treinador Moisés jogou pelo Vasco, em 1975, e pelo Corinthians, em 1977.

Se o jogo duro e violento e a parcialidade dos juízes não assustam o malandro Bangu, resta esperar que o estigma do América carioca não se tenha transferido de vez para Moça Bonita e, novamente, o time nade, nade e acabe morrendo na praia.