Pinheiro, um técnico sem meias palavras
Com franqueza e conceitos simples, o treinador faz o Bangu crescer e repete o sucesso do América na Copa Brasil
Fonte: Revista Placar, nº 889, de 15/06/1987
Repórter: Carlos Orletti

O extrovertido ponta-direita Marinho gelou naquela tarde. Ele acabara de ouvir pelo rádio o nome do técnico que assumiria o Bangu no segundo turno do Campeonato Carioca. Marginalizado, o armador Arturzinho torceu o nariz. Imaginou que, com o novo chefe, continuaria sem oportunidade. A inquietação tomou conta de Moça Bonita. Afinal, o escolhido era João Carlos Batista Pinheiro. Ou apenas Pinheiro, 55 anos, zagueiro do Fluminense nas décadas de 50 e 60, e treinador com fama de durão.
Quase dois meses depois, Marinho continua com suas habituais brincadeiras nos treinos, sob o complacente olhar do técnico. Arturzinho é titular absoluto do meio-campo. E o resto do elenco vive dias de descontração e confiança.
O que aconteceu? Foi Pinheiro quem mudou, garante Arturzinho. “Quando joguei no juvenil do Fluminense, ele era um treinador sem diálogo”, testemunha. “Hoje, conversa mais, é flexível”. Já o goleiro Paulo Sérgio, que também passou pelas equipes amadoras das Laranjeiras, prefere outra explicação. “Acontece que Pinheiro é exigente e fala verdades, o que alguns jogadores não aceitam”.
De fato, é tênue a diferença entre sua imagem de grosseirão, para uns, e irmão mais velho, para outros. A voz forte, o nariz grande, o bigodão de cantor mexicano e o físico avantajado compõem um tipo rude, imune à etiqueta. Tudo não passa de impressão. Duas cenas pinçadas de seu dia-a-dia provam isso. Em fevereiro, quando dirigia o América, chorou como criança diante de jogadores e jornalistas, ao falar do amigo Castilho, que se suicidara dias antes.
Ainda em Andaraí, pegou no pé do lateral Dedé durante um treino. “Por que você não avançou?”, cobrou o treinador. “Perdi a chuteira”, justificou o lateral, envergonhado. “Qual a diferença? Com chuteira ou descalço, você não joga nada mesmo”, fulminou Pinheiro, mal disfarçando o riso. Nem Dedé resistiu a uma gargalhada.
É verdade que não só de cenas engraçadas vive o relacionamento com seus jogadores. Ao mesmo tempo que gosta de brincar, não abre mão da disciplina. Foi por isso que acabou deixando o América depois de quatro derrotas consecutivas na Taça Guanabara, ainda que tivesse levado o time a um inédito terceiro lugar na última Copa Brasil.
Tudo começou na véspera da partida com o Vasco pela Taça Guanabara. “Não quero ver Dunga mandando no jogo”, advertiu Pinheiro durante uma preleção. “Não podemos pipocar diante dele”, exigiu. “Você está me chamando de medroso?”, vestiu a carapuça o rodadíssimo centroavante Luisinho. Houve um bate-boca, o Vasco venceu por 3 x 0 e o episódio serviu para azedar as relações do técnico com o vice-presidente Antônio Tavares.
Magoado com a falta de reconhecimento dos cartolas, Pinheiro tratou de mostrar sua capacidade em outro lugar. No Bangu, repetiu o mesmo método que o distingue dos chamados técnicos estrategistas – um estilo à base de poucas palavras e muita simplicidade.
O resultado, em campo, é um jogo solidário e extremamente prático. “Se não dá para ganhar, mando jogar pelo empate”, admite. Assim, até a semana passada, o Bangu era líder invicto da Taça Rio e tinha a defesa menos vazada, com dois gols contra.
“O trabalho de Pinheiro já deveria ter sido reconhecido há mais tempo”, confeteia Zagalo, que possui o hábito de criticar seus colegas. “O Bangu não chegou aí por acaso”, completa o tricampeão mundial. Também os jogadores não se cansam de reverenciá-lo. “Pela primeira vez conheci um técnico que, no intervalo, mostra como ganhar o jogo”, conta Bene, zagueiro do América. “Pensei que não tinha mais nada a aprender, mas ele me ensinou muito”, assegura o experiente Mauro Galvão, do Bangu.
É bom, portanto, prestar atenção a seu trabalho, até porque Pinheiro tem bons padrinhos. Por conta de um deles, o cartola americano Ildo Nejar, velho amigo do presidente da CBF, Otávio Pinto Guimarães, seu nome foi cogitado para a Seleção. Hoje, Pinheiro presta contas ao patrono banguense Castor de Andrade – com quem Otávio sempre teve boas relações. Muita gente aposta que ele vai longe.
