Tem gandula em campo
Depois de quatro anos como apanhador de bolas em Moça Bonita, Macula entra no gramado e assume a camisa 11 do time do supersticioso Zagalo
Fonte: Revista Placar nº 930 - 1º de abril de 1988
Repórter: Átila Santos
"No nosso time, só joga se for como gandula". A frase, muito comum entre a garotada, serve para definir quem não tem nenhuma intimidade com a bola. Com Marco Aurélio dos Santos, o Macula, aconteceu o contrário. Era tão bom com ela nos pés que deixou de lado a tarefa de apanhá-la para se tornar jogador profissional. Realizou, assim, o sonho da maioria de seus antigos colegas.
Hoje ele é o titular absoluto da ponta-esquerda do Bangu. Curiosamente, tem um estilo que não se parece em nada com o que seu técnico Zagalo exibia quando atuava na posição. Macula busca sempre a linha de fundo, encarando a marcação de frente. Zagalo preferia armar o jogo, ajudando o meio-campo. Além disso, este fogoso camisa 11 de 19 anos, 1,75m e 69kg adora abusar da própria ousadia.
A mesma coisa ele fazia entre 1982 e 1986, quando trabalhou como gandula em Moça Bonita. "Éramos treinados para fazer cera quando o Bangu estivesse vencendo", confessa. "Escondíamos a bola num buraco que havia ao lado do campo e até simulávamos contusões para retardar o jogo".
Para Macula, as partidas eram verdadeiras batalhas. Valia tudo para ajudar a vencê-las. "Às vezes eu punha as bolas num local onde a grama era bem alta", revela. "Nenhum árbitro conseguia achá-la". Como se percebe, malandragem não lhe faltava. E, sem ela, talvez nem tivesse conseguido sobreviver.
Menino pobre de Padre Miguel, subúrbio do Rio de Janeiro, ele aprendeu a se virar cedo. Com 5 anos, já perdera o pai - o ex-zagueiro Hélio (1), campeão carioca de 1966 pelo Bangu - e a mãe, mortos prematuramente. Enfrentou dificuldades. Cresceu alimentando-se mal. "Eu morava com minha avó, junto com um irmão", recorda. "Faltava quase tudo para nós. Quando passei a treinar nos juvenis do Bangu, pedi para morar e comer na concentração do clube".
Lançado entre os profissionais em 1986 pelo técnico Paulo César Carpegiani, Macula logo foi convocado para as seleções Carioca e Brasileira de juniores. Mas nem mesmo essa alegria pôde ser comparada à de largar a "gandulagem" e jogar com seus ídolos Marinho e Cláudio Adão (2) - quando os três atuavam no Bangu. "Perdi a conta de quantas vezes eles me deram uns trocados para lavar seus carros", conta.
Com o futebol, Macula espera ficar tão famoso quanto foi como pegador de bola. Só não quer ter as dores de cabeça daquele período. "Cansei de levar bronca dos juízes", diverte-se. "Wilson Carlos dos Santos, que sabia das nossas tramóias, era quem mais pegava no meu pé". Tantas ele aprontou que acabou proibido de trabalhar como gandula no Maracanã.
Hoje, Macula não pede mais permissão para pisar naquele gramado. Mas continua ousado. Dias atrás (9 de março), foi lá mesmo que ele marcou seu primeiro gol na Taça Guanabara - em cima do badalado Flamengo, que saiu chorando um empate de 1 x 1.