Bangu Boteco Atlético Clube
Tradicional clube carioca, que já colecionou títulos e ídolos, agoniza, afundado em dívidas e descaso
Jornal dos Sports, 13/07/2003
Repórter: Marlos Bittencourt
Fotos: Lula Aparício (Jornal dos Sports)

A longa história do Bangu - fundado como The Bangu Athletic Club -, que completará um século de existência em 17 de abril de 2004, está caminhando na direção mais crítica desde a sua criação. Clube de títulos e glórias, além de jogadores que deixaram marcas no futebol brasileiro, o vermelho e branco da Zona Oeste está pela hora da morte. Ao ponto de a principal atividade econômica do clube, o esporte, ser transformada num botequim, como consta na Secretaria Estadual de Fazenda do Rio de Janeiro (veja abaixo).

Localizada na Avenida Cônego Vasconcelos 549, no bairro que dá nome ao clube, a sede social do Bangu está aos cacos. O prédio principal, tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), em 1990, nunca sofreu uma reforma desde o tombamento. Os tijolos da fachada despencam aos montes, pondo em risco a vida dos pedestres que transitam pela avenida. Os arquitetos do Inepac afirmaram ao JORNAL DOS SPORTS nunca terem recebido qualquer pedido de reparo na sede.
"Em 13 anos de tombamento da sede do Bangu, não fizeram nenhum pedido para recuperar ou reformar o prédio. É necessário que os diretores do clube nos encaminhem um projeto de restauração e recuperação para ser analisado pelos técnicos responsáveis. É uma pena, entretanto, que ele esteja nesta situação. Se a direção do Bangu não contactar o Inepac, não poderemos fazer nada para recuperar a fachada daquele prédio", afirmou o arquiteto Roberto da Luz, da divisão de restauração do instituto.
As dívidas do Bangu, somente com a Previdência, chegam a R$ 600 mil. Além disso, o patrimônio do clube se deteriora a cada dia. O Estádio Proletário Guilherme da Silveira, por exemplo, não sofre uma grande reforma há muito tempo. Francisco de Souza, administrador do local há cinco anos, disse que, desde quando assumiu a função, apenas as grades que separam o campo da arquibancada foram trocadas e os vestiários reformados. "Nunca tivemos uma obra de impacto no estádio."
A sede da Cônego de Vasconcelos também não passa por reformas há anos. Lá, nem linha telefônica existe. O vice-presidente de patrimônio Djalma Antônio de Carvalho, no cargo desde janeiro, não soube calcular em quanto está avaliado o patrimônio do clube, que também tem uma sede aquática na Rua Francisco Real. A situação do Bangu é tão dramática que, segundo documento da Receita Federal (veja abaixo), o clube está inapto para funcionar. E lá se vão quase cem anos de histórias, inclusive esta.

O retrato da decadência de um clube centenário
(Tristes imagens)













O PRESIDENTE
"Não podemos ir tão longe. Não há dinheiro para nada"

O salto do Bangu para o futuro poderia ser a parceria com a megamontadora francesa de automóveis Peugeot-Citroën, que, mês passado, enviou o representante da seção latino-americana da empresa, Jean Pierre Bechir, para um encontro com o presidente do clube, João Paulo Giancristóforo. Intermediada pelo presidente de honra da Fifa, João havelange, a negociação está parada.
João Paulo não pareceu empolgado com a iniciativa dos executivos franceses, que pretendem investir no Bangu: "Não sei de nada. As negociações com a Peugeot estão sendo conduzidas pelo departamento de futebol. Eu não tenho informações sobre este assunto", afirmou ele, dirigente máximo do clube que, em tese, seria um dos responsáveis pelo processo de parceria.
Sobre as comemorações dos cem anos do clube, João Paulo também disse nada saber. Ele apenas limitou-se a informar ter nomeado uma comissão para preparar e organizar os festejos do clube. "Já escolhemos as pessoas encarregadas da festa do centenário. Mas não podemos ir tão longe. Não há dinheiro para nada", completou o presidente.
O TORCEDOR
"O mais triste é ver esse descaso absurdo com o Bangu"

A fachada da sede social do Bangu, formada por tijolinhos vermelhos, que deveriam embelezar o prédio centenário, está despencando de uma altura de cerca de 20 metros. Uma simples chuva e uma fraca rajada de vento podem ser capazes de destruir o local.
A denúncia é do guardador autônomo da CET-Rio Altino Barreto Peçanha, que há quatro anos trabalha na Avenida Cônego Vasconcelos, em frente à sede do clube. Torcedor do Bangu e morador do bairro há 26 anos, ele disse estar entristecido com o que presencia quase todos os dias.
"Já vi tijolos caírem lá de cima, mas felizmente ainda não acertou a cabeça de ninguém. Isso é um perigo para todos nós que estamos aqui diariamente, uma pena. O mais triste é ver esse descaso absurdo com o Bangu sem que possamos fazer algo para ajudar. O Clube acabou", afirmou Altino, apontando para o prédio.
A HERANÇA
Uma fortuna perdida na burocracia da justiça
Uma batalha judicial que já dura 18 anos pode salvar o Bangu da miséria. Luiz Oswaldo Teixeira da Silva, um ricaço professor de matemática, morto em 84, deixou de herança para o clube uma fortuna, segundo notícias da época, calculada em 500 bilhões de cruzeiros, o equivalente a cerca de US$ 150 milhões.
Maurício Mendonça, advogado do clube que acompanha o caso, afirmou que em valores atuais a herança não ultrapassa R$ 1 milhão. Já o ex-presidente do Bangu Rubens Lopes falou em R$ 130 mil. Além da fortuna em dinheiro deixada por Luiz Oswaldo, há sete imóveis localizados em São Cristóvão e na Lapa.
De acordo com Mendonça, o processo não anda porque a juíza Frana Elizabeth Mendes, da 7ª Vara de Executivos Federais, penhorou os bens do Bangu por causa de uma dívida de R$ 600 mil com o INSS. "A lei Federal 8641/93 beneficiou o Bangu, transferindo a dívida para a Federação do Estado do Rio", afirmou.
O ORGULHO NO PASSADO
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Zizinho, o maior craque da história do Bangu. Seleção Brasileira Vice mundial de 1950. |
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Domingos da Guia (C), um dos mais famosos zagueiros do futebol brasileiro |
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Zózimo, zagueiro, bicampeão mundial pela Seleção em 58 (Suécia) como reserva e em 62 (Chile) como titular |
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Ademir da Guia, filho de Domingos, jogou também pelo Palmeiras e pela Seleção. |
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Títulos: Campeão carioca de 1933 e de 1966 (foto), quando venceu por 3 a 0 o Flamengo na final. Campeão do Torneio de Nova York em 1960. Vice-campeão brasileiro de 1985. |
BANGU
Fonte: Jornal dos Sports, 14/07/2003
Coluna Passe Livre (José Antônio Gerheim)
Ao mesmo tempo que todos vibrávamos com as vitórias do Botafogo e do Brasil no vôlei, dói no coração do torcedor carioca e brasileiro ver o que fizeram com um clube da tradição do Bangu. A excelente reportagem do repórter Marlos Bittencourt, domingo no JORNAL DOS SPORTS, é um retrato cruel de como anda sendo administrado o futebol do Rio de Janeiro. E é um grito de alerta para que outros "grandes" não venham a ser o Bangu de amanhã.