Bangu Atlético Clube: sua história e suas glórias

Um centenário sem motivo para festa

Às vésperas de completar 100 anos, Bangu tem salários atrasados e patrimônio destruído

Fonte: Jornal O Globo - Bairros: Zona Oeste, 07/12/2003
Repórter: Rafael Pinna
O Globo - Zona Oeste

A quatro meses de completar 100 anos de existência, o Bangu Atlético Clube é hoje uma instituição com um passado lembrado com saudades e um presente para ser esquecido. Em meio ao planejamento para a comemoração do centenário, a diretoria tenta contornar crises financeiras, políticas e até de credibilidade para não dar vexame em 2004.

O obstáculo mais difícil de ser superado é financeiro. O Bangu tem hoje apenas 731 sócios e só 40 deles — menos de 5,5% — pagaram a mensalidade de novembro, de R$ 10 para proprietários e R$ 15 para contribuintes. Sem apoio de empresas, o clube depende desse dinheiro para cobrir suas despesas.

— O que eu posso fazer? Sócios são uma loteria. O clube não tem opções de lazer diferentes do que o morador encontra no bairro. E nem todo mundo pode pagar R$ 10 ou R$ 15 por mês — lamenta João Paulo Giancristoforo, presidente do clube desde janeiro.

Entre as conseqüências da falta de recursos estão os constantes atrasos de salários dos 17 funcionários vinculados ao Bangu. O clube já chegou a retardar o pagamento em até seis meses e a dívida atual é relativa a dois meses.

A falta de recursos também se reflete na sede social do Bangu, um dos retratos mais nítidos da crise que atinge o clube. Tombado pelo município desde 1990, o prédio centenário tem sérios problemas de estrutura e manutenção. Uma parte do telhado chegou a ceder e uma lona foi colocada para evitar que chuvas causassem maiores prejuízos ao salão nobre. Há janelas quebradas e as paredes têm manchas e infiltrações. O trajeto entre o salão e a única quadra de futsal para sócios e escolinhas é feito necessariamente por um corredor sujo e sem iluminação.

— Precisaríamos de três mil sócios em dia para quitar dívidas, pagar os salários e fazer a manutenção adequada da sede. Só que isso é um sonho — afirma Giancristoforo.

Para tentar equilibrar as finanças e completar a receita das mensalidade dos sócios, o já combalido salão nobre tem sido alugado para eventos e festas. Há dois meses, uma grande festa para jovens levou oito mil pessoas à sede do clube, um público que o estádio de Moça Bonita não recebe há muito tempo.

— É a única forma de conseguir dinheiro para as reformas mais urgentes na nossa sede — justifica João Paulo.

Apoio polêmico a empresários

Há crise e polêmica também no futebol profissional do Bangu. Há um mês, a diretoria do clube revoltou parte dos torcedores ao publicar uma nota oficial de apoio aos empresários Reinaldo Pitta e Alexandre Martins, condenados a 11 anos de reclusão por lavagem de dinheiro no escândalo do propinoduto. Segundo um acordo firmado em 2001, os dois traziam atletas para o clube e mantinham a folha salarial do elenco. Em compensação, podiam vender qualquer um que se destacasse.

— A idéia já era absurda, porque transformava o Bangu numa vitrine e quem era bom saía do clube na hora. Depois da condenação, o acordo se tornou imoral — reclama Celso de Medeiros, sócio-proprietário do clube desde 1974.

O presidente João Paulo Giancristofo garante que o acerto com os empresários será mantido mesmo depois da condenação. Para ele, o acordo beneficia o Bangu e a nota oficial foi justificada.

— Nenhum clube tem mais o passe dos jogadores, porque todos pertencem a empresários. Os dois podem ter errado, mas sempre foram honestos conosco — explica.

O time de profissionais não joga desde o início de novembro, quando foi eliminado da terceira divisão do Campeonato Brasileiro. Na semana passada, o clube contratou um técnico de futebol de salão, Marcelo Cabo, para dirigir o time de campo no Campeonato Estadual, que começa em 25 de janeiro.

Sócios insatisfeitos fundam a Democracia Banguense

Um grupo cada vez maior de opositores a membros da atual diretoria do Bangu se organizou para protestar e exigir mudanças: é o Movimento Democracia Banguense, que já conta com 382 adeptos, entre sócios, ex-sócios e torcedores. Eles se queixam de que estão impedidos de opinar e atuar nas decisões do clube. Além disso, acusam a diretoria de cassar títulos de sócios e cobrar taxas extras nas mensalidades.

— Eles cobram taxas de obras absurdas apenas para alguns sócios e quem não paga é excluído do quadro social. Eu paguei e mesmo assim fui impedido de me candidatar à presidência — diz o sócio patrimonial Itamar de Oliveira.

O presidente João Paulo Giancristoforo rebate:

— Nunca me procuraram e só querem chamar atenção. Quem quer um pão tem que dar dinheiro para o padeiro. Então, se pagarem as mensalidades, dou até um cargo na diretoria para eles. Mas terão que trabalhar de graça, porque nenhum diretor recebe dinheiro do Bangu — diz.

Os integrantes do movimento culpam a diretoria pela perda do projeto que previa a ampliação do estádio de Moça Bonita para abrigar jogos do Pan 2007. A prefeitura preferiu construir um complexo esportivo no Engenho de Dentro.

— Foi uma escolha política — afirma Giancristoforo.

Ex-diretor revela outras dívidas

O ex-diretor de patrimônio do Bangu Carlos Molinari responsabiliza as últimas diretorias pela crise. Ele trabalhou no clube entre 1999 e 2001, mas foi demitido e teve o título de sócio suspenso. Para ele, a crise é a pior da história do Bangu, que chegou a ter a sede náutica leiloada no início do ano. Tudo devido a uma dívida trabalhista de R$ 130 mil com uma ex-funcionária.

— Além disso, o clube tem uma dívida de R$ 600 mil* com o INSS e um documento da Receita Federal diz que o Bangu está inapto para funcionar como associação — revela.

O presidente João Paulo Giancristoforo reconhece a dívida de R$ 130 mil e diz que o clube já pagou sete das dez parcelas que devia. Ele, no entanto, confessa não saber o valor da dívida com o INSS:

— Não sei qual é o valor da dívida, mas pode ter certeza de que é impagável.

Enquanto isso, apenas três esportes funcionam no clube hoje: as escolinhas de futsal; o futebol nas categorias de base, que conquistou o torneio Octávio Pinto Guimarães em novembro; e a natação, cujas despesas e receitas são divididas com o ex-nadador e medalhista olímpico Djan Madruga.

* Acordo informação do próprio Carlos Molinari o valor correto da dívida do clube com o INSS é de R$ 383.995,36, conforme processos abaixo:

BANGU ATLETICO CLUBE
CEI/CNPJ raiz: 33.664.319/0000-00
Processo(s) cadastrado(s)

UF CEI/CNPJ Processo Fase VALOR (R$)
RJ 33.664.319/0001-70 351307117 0520 11.587,92
RJ 33.664.319/0001-70 351025952 0799 2.950,66
RJ 33.664.319/0001-70 351025944 0520 15.157,31
RJ 33.664.319/0001-70 351025936 0520 66.502,79
RJ 33.664.319/0001-70 351025910 0520 15.590,73
RJ 33.664.319/0001-70 327105194 0535 124.845,21
RJ 33.664.319/0001-70 317125192 0535 147.360,74
VALOR TOTAL 383.995,36
Descrição das fases da Dívida Ativa do INSS:
0520 - Inscrição de Crédito em Dívida Ativa
0535 - Ajuizamento/Distribuição
0799 - Parcelamento Cancelado

O que o Bangu precisa fazer para sair da crise?

“Em primeiro lugar, os banguenses, sócios ou não, devem estar unidos. Trabalhar harmoniosamente em busca da preservação do capital cultural, social e simbólico do clube centenário. A crise do Bangu deve ser encarada como oportunidade para uma decisão. Os atuais dirigentes deveriam buscar o diálogo e estabelecer parceria com todos aqueles que amam o clube, mas que dele estão afastados por questões políticas.” Sinvaldo do Nascimento Souza, professor

“O Bangu precisa urgentemente de pessoas verdadeiramente compromissadas com o clube no comando. Nós, torcedores, não agüentamos mais esse clima ditatorial, no qual qualquer oposição é intimidada. Repudiamos também a parceria com os dirigentes com os empresários Alexandre Martins e Reinaldo Pitta, que só malefícios trouxeram ao clube, transformando-o num mero balcão de negócios. Como demonstrou a reportagem, o clube tem um quadro patrimonial desolador e a atual diretoria é incapaz de resgatar os anos dourados do Bangu no ano de seu centenário.” Alessandro Nunes, estudante

“É preciso que saiam a atual diretoria e os empresários que comandam o clube, além de dar anistia para os sócios expulsos pela diretoria anterior. O clube precisa se reestruturar.” Alexandre Ferreira, funcionário público