Bangu Atlético Clube: sua história e suas glórias

Difícil hora de largar a chuteira

Poucos jogadores de futebol souberam guardar dinheiro para garantir aposentadoria. Maioria sofre com problemas financeiros

Fonte: O Dia, 09/06/2004
Repórter Marco Senna
Foto: O Dia
Marinho, ex-Bangu, viveu dias de fama e riqueza e hoje está pobre. Sem emprego, já pensa em trabalhar como motorista de ônibus ou trocador
Marinho, ex-Bangu, viveu dias de fama e riqueza e hoje está pobre. Sem emprego, já pensa em trabalhar como motorista de ônibus ou trocador

Nada mais difícil para o jogador de futebol do que saber a hora de parar. Muitos desafiam o tempo e tentam se manter na ativa - principalmente porque não conseguiram guardar dinheiro para uma aposentadoria tranqüila ou porque não sabem fazer outra coisa.

O despreparo para encarar a vida fora das quatro linhas é o último capítulo da série que o ATAQUE apresentou, mostrando a dura realidade da profissão de jogador de futebol. Ídolos que conviveram com estádios lotados e a fama, e que não souberam se preparar para o fim de carreira.

A Fundação de Garantia ao Atleta Profissional (Fugap) é uma das poucas entidades a dar algum tipo de auxílio a estes ex-jogadores. A entidade fornece assistência a 18 ex-atletas, doando cesta básica e ajudando com R$ 200 por mês. Sem os quais, eles não teriam como viver.

"Apesar da falta de maior apoio, vamos tocando o barco, pois temos responsabilidade com as pessoas que dependem de nós", comentou Édson Souza, ex-jogador do Fluminense na década de 80 e há um ano à frente da entidade. Ele lembra que a situação da Fugap não é muito melhor da dos ex-atletas que ajuda.

"Recebemos apenas 2% da renda líquida dos jogos no Maracanã. Enfrentamos problemas de repasse desse dinheiro, principalmente em jogos do Fluminense. A Federação empurra a solução para a Suderj, que faz o mesmo em relação à Federação. A alegação é de que o dinheiro foi penhorado pela Justiça", lamenta.

Ex-jogador do Botafogo precisa de cesta básica

Por determinação do departamento de assistência social da Fugap, seus beneficiados não podem dar entrevista, para evitar constrangimentos. Mas não faltam exemplos de ex-jogadores que conheceram tardes de glória no Maracanã, e hoje precisam de auxílio para sobreviver.

"Há um ex-jogador do grande time Botafogo, dos anos 60 e 70 (Nei Conceição), que tinha Afonsinho, Paulo César Caju, Carlos Roberto, Gérson, entre outros. Ele recebe a cesta básica da Fugap", conta Édson.

Um dos casos mais conhecidos e comoventes é o do ex-ponta-direita Marinho, que começou no Atlético-MG, mas conquistou fama e fortuna jogando pelo Bangu do bicheiro Castor de Andrade, na década de 80. Chegou, inclusive, a ser convocado para a Seleção por Telê Santana.

Depois de enfrentar o trauma da morte do filho e não se estruturar para encerrar a carreira, Marinho mergulhou no álcool e nas drogas, e por pouco não teve de mendigar. Hoje, encontra-se desempregado. Mas ele ainda sonha com dias melhores e espera voltar ao seu Bangu. Dessa vez, como treinador. E sabe que, aos jovens, terá muito a ensinar. Especialmente, como se preparar para os dias de esquecimento e solidão.

O drama de quem conheceu dias de ídolo

Foto: O Dia
'Preciso trabalhar. Sem ocupação, perco a dignidade'
Marinho, ex-jogador do Bangu, Botafogo e Seleção Brasileira, 47 anos
'Preciso trabalhar. Sem ocupação, perco a dignidade' Marinho, ex-jogador do Bangu, Botafogo e Seleção Brasileira, 47 anos

Mansão em Jacarepaguá, carros importados, muito dinheiro no bolso, noitadas... Todo esse luxo fez parte da vida do ex-jogador Marinho, de 47 anos, que brilhou no Bangu, Botafogo e seleção brasileira. Desempregado há três meses, ele contou seu drama: como se envolveu com drogas (cocaína) e quase virou mendigo. Em busca de emprego, Marinho faz um apelo: "Preciso trabalhar. Um homem sem ocupação perde a dignidade".

Como chegou a esse ponto?

Quando eu estava no auge, recebia 30 telefonemas por dia. Agora, ninguém me procura oferecendo ajuda. Só ligam quando precisam de você. Se não fosse a minha mulher segurar a barra... (os olhos de Marinho se enchem de lágrimas ao falar de Liza Minelli, secretária, com quem está casado há 15 anos).

Qual é a sua fonte de renda?

Nenhuma. Trabalhei muito tempo no Bangu e nos últimos tempos estava no Ceres (2ª Divisão), onde ganhava R$ 800. A Universidade Estácio de Sá assumiu o clube e fui dispensado. Só vou suportar mais um mês parado. Depois, abandonarei de vez o futebol e procurarei emprego de motorista de ônibus e até de trocador.

Você não se aposentou?

Faltam quatro anos. Tenho dependido até de médicos amigos para socorrer a mim e a meus parentes (mora em Padre Miguel, com Liza e os filhos do casal, Stevie Wonder (13 anos) e Laiz de Minelli (11).

Como é viver dessa forma já tendo sido rico?

A sensação é de perda. Ganhava de salário o equivalente, hoje, a R$ 100 mil. Mas acabei me deslumbrando com o sucesso e esbanjei com bebida, noitadas e drogas.

Como foi que isso aconteceu?

A partir da morte do meu filho (Marlon, de 1 ano e meio), em 88. Tentei salvar o menino, que estava se afogando na piscina da minha casa, mas não consegui. Ele faleceu nos meus braços. Até hoje tenho a imagem dessa trágica cena dentro de mim. Depois, perdi o tesão pela vida.

E as drogas?

Fui na onda das más companhias e a minha vida descambou. Cheirava cocaína, mas há dez anos me livrei do vício. 'Pardal que acompanha joão-de-barro amanhece pedreiro' (riu, ironizando a própria desgraça).

Em que momento você buscou ajuda?

No dia em que vagava pela rua, sob chuva, de camiseta, calção e chinelo de dedo, e estava a um passo de me tornar mendigo.

O que ainda espera do futebol?

O meu sonho é ser técnico do Bangu e ajudar o clube a voltar à Primeira Divisão do Rio.

Marco Antônio, herói no México, tem três empregos

Foto: Carlos Moraes (O Dia)
Marco Antônio
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Do ensolarado e festivo Estádio Azteca, no México, em 1970, para o árido campo do Fazenda, em Vilar dos Teles, comandando a peneira do clube da Terceirona do Rio. Um dos heróis da conquista do tricampeonato mundial pela seleção brasileira, o ex-lateral-esquerdo Marco Antônio tem consciência, hoje, do quanto é importante fazer um pé-de-meia ao longo da curta carreira de jogador de futebol, para garantir uma aposentadoria tranqüila.

“Tive uma ascensão rápida. Cheguei ao Santos, com 16 anos, e aos 18 já me sagrei campeão do mundo. Não estava preparado para a fama repentina. Passei a chegar atrasado aos treinos, às vezes nem aparecia no clube, e gostava de ir aos barzinhos, à noite. Comportamento que prejudicou minha imagem. Mas sabia jogar bola. Eu era um mal necessário”, reconheceu Marco, que só não consegue se livrar do cigarro, vício cultivado desde a época de jogador.

Aos 53 anos, o ex-craque não está passando necessidade, mas precisa atuar em três frentes de trabalho para tocar sua vida: é um dos organizadores do Fazenda, coordena escolinhas de futebol para crianças carentes (projeto da prefeitura) e realiza partidas com o master do Bangu.

Contribuição para poder garantir aposentadoria

Para que possa se aposentar daqui a três anos, Marco Antônio paga a contribuição de R$ 266,06 ao INSS. Um futuro reforço na renda da família, que mora no bairro Cerâmica, em Nova Iguaçu.

O ex-jogador, porém, não se lamenta da sorte. Aproveita o contato com os garotos para alertá-los a não repetir os erros cometidos por ele na juventude. O ex-lateral atuou no Fluminense, Vasco, Bangu e Botafogo. Encerrou sua carreira, em 84, no Alvinegro, aos 34 anos.