Perfil: Rubens Lopes, Presidente em exercício da Federação de Futebol do Rio
Um rótulo diferente para a mesma caixa
Fonte: Jornal O Globo, 30/01/2005
Repórter: Fellipe Awi

Dirigente rejeita Eduardo Viana, velho aliado político, mas prega virada de mesa e é acusado de perseguir juízes
Na hora de posar para a foto, entre as imagens dos ex-presidentes Eduardo Viana e Álvaro Bragança, o atual comandante da Federação de Futebol do Rio, Rubens Lopes, usou e abusou do sarcasmo:
— Prefiro ficar mais ao lado do Bragança.
O comentário, estranhamente, sai da boca de um velho aliado político de Caixa D’Água, que só se sentou na mesma cadeira do amigo por ter sido seu vice-presidente geral. Agora, três meses depois do afastamento de Eduardo Viana pela Justiça, acusado de envolvimento na máfia da evasão de renda no Maracanã, Rubens Lopes tenta, de todas as maneiras, libertar sua imagem da do antecessor. Para muitos, porém, sua história no futebol o credita para a mesma escola de dirigentes de Caixa D’Água e do presidente do Vasco, Eurico Miranda.
— Ele é mais técnico e eu sou mais político, mas não somos muito diferentes — reforça Eduardo Viana.
Assim como ele, Rubinho, como é chamado, tem compromissos com um clube de menor porte do estado. Presidente de honra do Bangu, já foi alvo de críticas de árbitros que se sentiram pressionados em jogos do clube, a exemplo de Caixa em relação ao Americano. A mais famosa aconteceu na semifinal contra o Fluminense, no Estadual de 2002, quando Rubinho já tinha força na Federação. Depois de errar contra o Bangu, Reinaldo Ribas jamais voltou a apitar.
— Ele se aposentou por ter estourado o limite de 45 anos — diz Rubinho, ignorando que no Estadual não é raro ver juízes trabalhando até os 50 anos.
Mesmos aliados e inimigos
Desde que assumiu a Federação, dia 8 de dezembro, os atritos com os juízes continuaram. Embora fale em mudanças radicais no apito, manteve a mesma comissão de arbitragem de Caixa D’Água. Abriu guerra contra o sindicato da categoria, que teve de desistir de um contrato publicitário que dava uma renda extra aos juízes. Estranhamente, toda a diretoria pediu demissão. O presidente recém-eleito, Jorge Rabelo, o único que não renunciou, não vai apitar neste campeonato. Assim como acontecia com Caixa, só critica Rubinho quem já largou o apito, já que não pode mais sofrer represálias.
— O Eduardo fez muito mal à arbitragem mas, com o Rubinho, os juízes vão sentir falta dele. O que um é para o Americano, o outro é para o Bangu — diz o ex-juiz Jorge Travassos.
Rubinho sustenta que a profissão de juiz de futebol não é regulamentada e, por isso, não há necessidade de sindicato.
— O juiz tem autonomia dentro de campo, mas a arbitragem não pode ser independente porque deve atender à filosofia da Federação — diz o dirigente, num discurso que poderia ser colocado na boca de Eduardo Viana.
A pretensa modernidade da administração de Rubinho também admite virada de mesa, prática comum na gestão de Caixa D’Água. Durante todo o ano passado, ele pregou a manutenção do seu Bangu na Primeira Divisão do Estadual.
O mapa político da Ferj foi outra coisa que não mudou. Entre os quatro clubes grandes, os aliados e os inimigos da entidade são os mesmos. Botafogo e Flamengo fazem críticas; Vasco e Fluminense, afagos. A diretoria alvinegra emitiu nota oficial esta semana lamentando que o “Estadual de 2005 venha nas suas primeiras rodadas apresentando os mesmos sintomas de falta de organização e seriedade” de competições anteriores.
— Não mudou nada. Ele manteve a comissão de arbitragem e rejeitou mudanças na gestão financeira do campeonato — completa o presidente do Flamengo, Márcio Braga.
Viana: "Rubinho aprovava tudo"
Como principais bandeiras de mudança em relação à gestão de Caixa D’Água, Rubinho cita o enxugamento administrativo e a extinção da Coopeb, a cooperativa do quadro móvel que se tornou insustentável por ser apontada pelo Ministério Público como instrumento da evasão de renda.
— Admiro a cultura e a articulação política do Eduardo, mas ele foi um péssimo administrador. Já avisava a ele que a Coopeb era um problema e, por isso, acabei com ela — afirma Rubinho.
— O Rubinho aprovava tudo o que eu fazia. E, na verdade, quem acabou com a Coopeb foi o Plínio Jordão, que foi o primeiro a assumir quando fui afastado — corrige Viana.
O passado de Rubinho e Caixa D’Água não combina com os discursos divergentes. Afinados politicamente, a relação ficou mais próxima depois que Viana sofreu enfarto em 1997. Médico, o ex-presidente do Bangu o atendeu prontamente.
— Salvei a vida dele — diz.
Talvez por isso Viana seja menos crítico com o aliado — ou ex-aliado. Considera Rubinho competente e, por isso, o chamou para vice na última eleição. O atual presidente conta que só aceitou porque Caixa D’Água lhe prometera concorrer à presidência da CBF e, assim, deixar-lhe o cargo. Apesar da ambição política, Rubens Lopes diz que ainda não pensa em reeleição. Mas, se o exemplo for o Bangu, ele vai querer se perpetuar no poder, como Eurico faz no Vasco e Viana ainda tenta fazer na Ferj. Já foi duas vezes presidente do clube, pôs um cunhado no cargo e a filha é do Conselheiro Deliberativo. Desde que assumiu pela primeira vez a presidência, em 1989, sempre elegeu o sucessor, à exceção da última eleição. Pelo menos, oficialmente.
— Ele apoiou candidato biônico para evitar a oposição. O que venceu (Ângelo Marques) também é da situação — diz Peri Cozer, um dos 350 sócios afastados pelas últimas diretorias.
Testemunha da queda do Bangu
O candidato biônico foi uma das técnicas usadas por Viana na última eleição da Ferj. A oposição do Bangu denuncia outra, esta usada por Eurico Miranda no Vasco. Para manter o Conselho Deliberativo sob o poder da situação, exige-se que a chapa seja referendada pelos Grandes Beneméritos. Detalhe: estes são apenas três, sendo que um recebeu o título de Rubinho e outro é o próprio.
— A único forma de tirar a turma do Rubinho é à força, mas quem usa deste expediente são eles — diz o ex-diretor de patrimônio histórico do clube Carlos Molinari.
Rubinho foi levado ao Bangu pelo tio, o bicheiro Castor de Andrade. Dele, critica o descaso com o patrimônio do clube e elogia a capacidade de fazer times competitivos, um deles vice-campeão brasileiro. No primeiro ano de Rubinho na presidência, o Bangu caiu para a Terceira Divisão do Brasileiro. Sob a administração de Rita de Cássia, uma ex-secretária de Rubinho, caiu para a Segunda Divisão do Estadual.
— Caímos por forças ocultas, depois que entrei em atrito com o Eduardo por causa do vice-presidente de relações externas (Chico Aguiar, também afastado por decisão judicial) — justifica Rubinho.
O atrito pode ter atrapalhado a virada de mesa mas as atuações do Bangu em campo explicam o rebaixamento. A pífia campanha no Estadual incluiu uma goleada de 5 a 1 para o América. Mantido pelos empresários Reinaldo Pitta e Alexandre Martins, condenados a 11 anos de prisão no escândalo do propinoduto, o time ainda foi eliminado da Copa do Brasil dentro de Moça Bonita, sem as “forças ocultas” da Ferj. Seria outra coincidência entre Rubinho e Caixa D’Água a decadência do Bangu e do futebol carioca?
Viana não se dá por vencido
— O Rubinho não é presidente da Federação. Ele está presidente.
A frase de Eduardo Viana deixa claro sua intenção de voltar ao cargo que só largou sob ordens da Justiça, quase 20 anos depois de assumi-lo. Enquanto se dedica ao tratamento de um caso grave de insuficiência renal, o dirigente diz que está debruçado noite e dia sobre o processo que lhe apontou como “artífice intelectual” da evasão de renda no Maracanã.
— Confio na minha absolvição — diz.
No dia 14 de outubro, o juiz da 37 Vara Criminal, Geraldo Prado, determinou o afastamento de Viana e de mais cinco dirigentes da Ferj, acusados de formação de quadrilha, estelionato, fraude processual e falsidade ideológica. A Justiça negou na última terça-feira hábeas-corpus que levaria Viana de volta ao cargo. No dia 1 de fevereiro, serão ouvidos vários dirigentes, entre eles Rubens Lopes. Não se sabe ainda se, a esta altura, ele será testemunha de defesa ou acusação.