A paixão sobrevive
Jogos pela Seletiva do Campeonato Estadual, apesar do forte calor, dos campos esburacados e do baixíssimo nível de futebol apresentado, conseguem manter vivo o interesse de torcedores que permanecem fiéis a seus times de coração
Fonte: O Dia, 15/10/2006
Repórter: Martha Esteves /
Foto: Carlos Mesquita

A diversão é garantida. Nem mesmo o forte calor e os jogos pouco atrativos são motivos para diminuir a alegria abnegados torcedores, que escolhem os clubes pequenos como alvo de sua paixão.
O placar eletrônico do estádio da Rua Bariri, parcialmente quebrado, pode até anunciar a vitória de 3 a 0 para o Bangu, na quarta rodada do octogonal da Seletiva do Estadual, que vai escolher quatro clubes para subir à Primeira Divisão do Rio ano que vem. Mas o solitário Carlinhos Vieira, fanático pelo Olaria, não está nem aí. Seu time está em sexto lugar, com apenas três pontos (Bangu, Portuguesa, Macaé e Goytacaz ocupam as primeiras posições), mas nem isso diminuiu o esforço de Carlinhos.
Na quarta-feira ensolarada e quente, ele fez a sua parte. Usando um tambor de uma velha máquina de lavar como megafone improvisado, fazia barulho para incentivar seu time de coração. E seus gritos de incentivo ecoavam no estádio quase vazio.
"Olaria, Olaria, Olaria, Olaria, Olaria, Olaria", urrava, sem perder o fôlego. Carlinhos ocupa o lugar de Chicão, conhecido torcedor do time suburbano que gritava o nome do time sem parar, enlouquecendo os rivais e até os amigos. Chicão se tornou evangélico e cedeu o lugar para Carlinhos, que ganhou de um amigo um tarol para seu batuque insuportávele desafinado.
"O megafone é criação minha e ajuda a difundir meus gritos. O time gosta do apoio e os jogadores até me agradecem", orgulha-se carlinhos, que também recebe os agradecimentos de outros torcedores, quando pára de gritar e batucar.
Na torcida do eu-sozinho, carrega a faixa "Eu amo o Olaria" para reafirmar sua paixão. Professor aposentado, Carlinhos, de 56 anos, freqüenta o clube desde os 12. Sai de Irajá, onde vive, para acompanhar todos os jogos de seu clube.
Arthur Souza, de 43 anos, faz o mesmo. Ele trabalha à noite numa empresa de informática e aproveita as tardes para ver de perto seu time do coração buscar o sonho, cada vez mais longe, de voltar à Primeira Divisão. Arthur fundou, em 1995, a pequena torcida organizada Fiel, que tem três faixas e não mais de 20 torcedores. "Contra o Macaé, nós enchemos três carros", diverte-se Arthur, motivo de chacota dos amigos. "Nem ligo. Sou Olaria até morrer".
Zoando o dono do megafone

É de rolar de rir. Enquanto o enlouquecido torcedor grita Olaria sem para, o Bangu segue fazendo gols. A cada comemoração, a pequena torcida alvirrubra responde ao fanático torcedor rival: "Eu, eu, eu... o megafone se f...", grita, fazendo um trenzinho da alegria.
O dono do "megafone" nem liga. Continua gritando. "Aperta a marcação", pede. Ao seu lado, um outro grita: "Aperta o pescoço desses pernas-de-pau", mas não houve resposta. carlinhos segue incentivando o time. "Mata a jogada". A provocação vem com eco. "Mata cada um desses bostas". Depois disso, ninguém mais controla as gargalhadas.
Nem o auxiliar da arbitragem, que se diverte até com as plaquinhas de madeira, usadas para anunciar as substituições. Como o 2 estava meio apagado, sinaliza com dois dedos da mão direita para que o árbitro visse quem deveria sair do time do Olaria: "Jogo pequeno é assim mesmo. A gente ganha pouco, mas se diverte".
Vale qualquer sacrifício para ver o Bangu

A produção é feita com cuidado. catarina Jorge, de 72 anos, Maria Melido, de 70, e a caçula Léa Amaral, de 60, vestem-se dos pés à cabeça de vermelho e branco e juntam-se aos amiguinhos da mesma idade para torcer juntos pelo Bangu.
Léa, de brincos e presilha vermelha nos cabelos, é a mais animada da Banfiel, que tem até um guarda-sol, para não esquentar os miolos. Todos têm alguma ligação com a extinta Fábrica de Tecidos Bangu. O fundador da torcida organizada, Fábio Labre, de 27 anos, é neto de um ex-funcionário, e conta que a Banfiel tem até sede própria, onde organiza bingos, bailes, e churrascos para seus integrantes.
"A gente se diverte sempre. O amor pelo Bangu nos une. E tudo vai melhorar depois que voltarmos à Primeira Divisão", espera Catarina.
O amor pelo clube é tão grande, que fez Palúcio Souza Filho, 74 anos, superar as dores de um recenete atropelamento para ver o time vencer o Olaria, no meio da semana. 'Faço tudo pelo Bangu".
