Bangu Atlético Clube: sua história e suas glórias

Considerada um dos berços do futebol brasileiro, antiga fábrica de Bangu completa 132 anos

Historiadores e moradores do bairro reivindicam o local como sede da primeira partida de futebol do Brasil

Fonte: Globoesporte.com, por João Felipe Bangu, publicada em 06/02/2021

O Brasil é o país do futebol, não só por sua relação com o esporte, mas por ter torcedores apaixonados, em um sentimento que extrapola as fronteiras do território nacional. Por muito tempo, procurou-se o estopim dessa paixão, até que os torcedores do Bangu resolveram reivindicar o posto de berço do futebol. A matriz se encontra no coração do bairro: a antiga fábrica de tecidos, que completa 132 anos neste sábado.

A fábrica foi fundada no dia 6 de fevereiro de 1889. Com o apoio do governo brasileiro da época, diversos europeus passaram a imigrar para o Brasil e, nessas embarcações lotadas que chegavam na costa tupiniquim, estava Thomas Donohoe. O escocês chegou como funcionário e logo foi apelidado como “Seu Danau”.

Ele trazia o desejo de praticar o esporte que estava em alta no continente europeu, mas que ainda não tinha chegado no Rio de Janeiro. Logo, Donohoe tratou de providenciar os equipamentos necessários.

Seu Danau teve a ideia de importar os equipamentos de futebol, misturados aos instrumentos fabris. A paixão foi instantânea. Os proletários passaram a tratar o esporte como o único momento de lazer, já que o bairro de Bangu ainda era praticamente rural. Thomas Donohoe se tornou o treinador do time, ensinando todos os movimentos e regras de um jogo que já lhe era comum.

Foto: Arquivo/Bangu
O campo da antiga fábrica de Bangu
O campo da antiga fábrica de Bangu

Recentemente, um debate foi levantado pelos habitantes do bairro e por historiadores, pois já era fato que Thomas Donohoe fora o responsável por trazer a primeira bola ao Rio de Janeiro, mas os banguenses contestam que, na verdade foi a primeira bola do Brasil, o que gera um atrito com os paulistas, que consideram Charles Miller o pioneiro.

- Existe essa rivalidade até hoje do pessoal de São Paulo, acreditando que o Miller trouxe a primeira bola. O que acontece de fato é que a gente não consegue ter certeza de quem trouxe primeiro. Eu, particularmente, acredito que tenha sido aqui, mas se for levantar em registros, é o Miller mesmo. Mas se for comparar com as cartas que o Donohoe escrevia para a esposa trazer a bola, você vai ver que foi antes do Miller. Recentemente, as pessoas estão levantando mais a bandeira de que teria sido o Seu Danau. Existe essa incerteza porque não há um registro exato da data que a bola de Bangu chegou, porque o Seu Danau registrou a bola depois do Miller, mas acredita-se que a bola já estava aqui havia muito tempo - afirma Mariana Marques, graduanda em história pela UFRRJ e torcedora do Bangu.

Existe outra questão que os banguenses exaltam. O futebol não seria tão apaixonante se fosse restrito a um determinado grupo, e a fábrica foi responsável por isso. Além disso, em Bangu foi onde o primeiro jogador negro pisou em um gramado de futebol e participou do esporte.

- Quando eu penso no futebol democrático de Bangu, o primeiro nome que vem na cabeça é o Francisco Carregal, porque foi o primeiro negro a jogar futebol. Aí você tem outro debate, dessa vez com o Vasco, que diz que teve o primeiro jogador negro, mas na verdade foi em Bangu com o Carregal. Ele era um operário da fábrica. Eu acho que a grande diferença do futebol que foi feito aqui é que ele foi feito por operários e para operários, então, o banguense se orgulha muito por incluir no futebol os trabalhadores e também um jogador negro. Em Bangu, foi onde o futebol deixou de ser um esporte de elite, foi onde teve a quebra de algumas barreiras - completa Mariana.

Foto: Arquivo pessoal
Mariana Marques, graduanda em história pela UFRRJ e torcedora do Bangu
Mariana Marques, graduanda em história pela UFRRJ e torcedora do Bangu

Paixão que passa de geração em geração

O Bangu Atlético Clube é o time da região. Fundado em 1904 e com Thomas Donohoe como um dos criadores, a equipe foi idealizada ainda na antiga fábrica. O clube teve o seu auge na década de 80, onde figurava sempre entre um dos postulantes aos títulos das competições nacionais, sendo vice em 85 e conseguindo acesso para a primeira Libertadores em 1986 – além de ser campeão invicto da Taça Rio em 1987. Mas, com a má administração financeira, o clube foi se afundando e, com a consolidação de outros clubes cariocas, o Bangu foi deixando de ser a quinta força do estado.

Por conta da fábrica, os operários viram o Bangu crescer de um time amador para uma equipe profissional, e isso fez crescer um sentimento de pertencimento. O amor pelo clube foi passando de geração em geração, fazendo com que seja um orgulho para os moradores do bairro, com diversos estabelecimentos estampando símbolos, uniformes e adereços da equipe.

Foto: Arquivo pessoal/Gabriella Souza
Torcida do Bangu em Moça Bonita
Torcida do Bangu em Moça Bonita

- A minha família está há bastante tempo em Bangu. Nós já estamos enraizados há várias gerações, os meus avós trabalharam na fábrica, o meu pai trabalhou na fábrica, e todos os meus tios também. O meu pai conta várias histórias sobre o futebol, o campo do Bangu, que era do lado da fábrica. Ele ia sempre ver os jogos dos operários. Essa paixão pelo Bangu foi crescendo e passando para mim, que desde pequena fui levada para o estádio Moça Bonita. Somos muito privilegiados, é um bairro que tem uma história com o futebol, não só para a gente, mas de forma nacional - afirma Gabriella Souza, integrante da torcida organizada do Bangu “Castores da Guilherme”.

O clube sempre teve uma torcida nutrida pela paixão futebolística que surgiu no bairro, mas a concorrência de Botafogo, Vasco, Flamengo e Fluminense é desleal. Vendo a torcida do clube ser cada vez mais esvaziada, um grupo de jovens decidiu criar em 2011 os “Castores da Guilherme”, uma torcida organizada focada em exaltar a história do clube. Junto com essa paixão raiz, veio a intenção de tornar a torcida um movimento de contracultura, sendo um grupo que rejeita o futebol moderno.

- Eu vi essa torcida nascer e quando eu ia aos jogos do Bangu sempre ficava com eles. Quando você sente a paixão, você deixa de ter outro time, você é só banguense. A gente tem um estilo “barra brava”, é uma história muito legal, porque são jovens e têm essas histórias em comum das suas famílias passarem esse amor pelo clube, então, com essa torcida eu vejo o Bangu florescer, a sua história sendo exaltada de novo. A gente se posiciona contra o futebol moderno, a gente vê o Bangu como um time de resistência, um time que é um dos pioneiros do futebol do Rio. Para nós, é um absurdo ir para o estádio apenas tirar foto e ficar sentado sem cantar, nosso time é um time de história, história tem que ser vivida e só se vive com ações. Então, quando a gente chega ao estádio, já guardamos o celular no bolso, montamos a bateria, arrumamos nossas bandeiras e cantamos as nossas músicas. A gente não quer ver o futebol do Bangu cada vez mais distanciado da torcida. Queremos viver o jogo - acrescenta Gabriella.

Foto: Arquivo pessoal/Gabriella Souza
Faixa da torcida do Bangu em Moça Bonita
Faixa da torcida do Bangu em Moça Bonita

A fábrica de tecidos de Bangu foi desativada em 2004. No lugar, um shopping foi construído. Desde 2014, há uma estátua de Thomas Donohoe no local. O Bangu Atlético Clube disputa o Brasileirão série D e o Campeonato Carioca série A.